sábado, novembro 26, 2005

Cinema (11)

Old Boy




Um filme de impacto. Essa é a mais sintética definição que consigo atribuir ao filme sul-coreano Old Boy – se é que existe a possibilidade de sintetizar algo tão bom. Por quê? Principalmente por ser diferente, original. Chega a ser até uma pretensão escrever sobre Old Boy na minha principiante experiência em discorrer sobre filmes que gostei, pois este filme não é como outro qualquer. É repleto de tensões e mistérios, explorados por elementos estéticos diferentes dos usuais. Park Chan-Wook dirigiu um filme sob a temática da vingança de uma forma ágil e esperta, que se distancia de clichês. A trama angustia o espectador, tamanha a curiosidade que provoca. Oh Dae-Su é um homem inicialmente patético e inofensivo, que aparece bêbado, detido numa delegacia. Dali não se confia muito na evolução de uma trama tão boa como mais tarde acontece. Aquele homem que, aparentemente, não tinha cometido nenhum crime cruel, surge, então, enclausurado num quarto com um conforto razoável para alguém que estivesse cumprindo uma pena. Oh Dae-Su não sabia por que estava ali, sem nenhum contato humano, conectando-se com o mundo somente através de uma televisão – e é impressionante a relação que estabelece com ela, considerando-a, inclusive, sua “amante”. É libertado depois de 15 anos, muito diferente do homem que entrou. Sai o “old boy”, paranóico disposto a tudo para se vingar do responsável pelo seu desespero.

O protagonista Choi Min-sik tem uma atuação elogiadíssima pela crítica – e com razão. O espectador consegue realmente sentir a claustrofobia que Oh Dae-Su sofre naquele quarto, a raiva que ele tem de um inimigo desconhecido, o desatino dele ao voltar para o mundo totalmente sem passado e sem rumo. Em alguns momentos, Min-sik se alterna entre uma atuação cômica, com suas caretas e expressões, e assustadora, na sua missão vingativa.

O filme é longo, às vezes cansativo – quando muitos flashbacks são inseridos para explicar a prisão do protagonista. Porém, o final chocante compensa. Old Boy não se baseia em violência. Poucas cenas de luta remetem às artes marciais do Oriente. As seqüências de ação não têm uma preocupação plástica, e chegam a ser engraçadas e toscas. Violentas – e bem feitas – são as cenas de mutilações e humilhações a que Oh Dae-Su é submetido. Ele oscila entre uma personalidade psicótica e explosiva e uma paixão por uma menina – um romance que provoca discussões morais (não vou dizer como para não entregar uma das coisas mais impressionantes do filme). As peculiaridades do filme estão também nas bizarrices, como a cena em que o personagem principal devora um polvo vivo. Romance e ação se intercalam em numa história que seria até meio boba não fosse a abordagem inusitada que depois de assistida ressurge em constantes flashbacks nos pensamentos, provavelmente, da maioria dos espectadores.



Vencedor do prêmio especial do júri em Cannes 2004, Old Boy foi elogiadíssimo pelo então presidente do júri, Quentin Tarantino. O filme é o segundo da Trilogia da Vingança, de Chan-Wook. Hollywood quer refilmá-lo e a indústria cinematográfica indiana já fez a sua versão: Zinda. O último filme da trilogia já está pronto (Sympathy for Lady Vengeance), mas sua estréia por aqui não tem previsão.

Título original Old Boy
País de origem Coréia do Sul
Duração 120 min

2003
Classificação 16 anos
Língua Koreano
Diretor Park Chan-Wook
Elenco Choi Min-sik, Yoo Ji-tae, Gang Hye-jung


-Danuza Facco Matiazzi-

quinta-feira, novembro 24, 2005

Música (5)

"cantores sem pilchas de magros talentos”

Bom, como diria Luiz Marenco,“mesmo que o mundo desabe num tempo feio” aqui estou para escrever algo nesta noite que está “armada” para chover. Irei começar com um verso da poesia Meu Canto, de Jaime Caetano Braun:

“Meu canto guardo o estilo
das fontes da geografia
quando o gaúcho nascia
abarbarado e tranquilo;
meu canto é o canto do grilo,
dos tempos de antigamente
que pode ser estridente,
mas jamais ultrapassado,
porque o canto do passado
é o bebedor do presente!”


E com outro verso da poesia Gaita, de Apparicio Silva Rillo:

“Velha gaita fiel de duas falas,
intérprete crioula de emoções,
que chora na rudeza dos galpões
e ri de gosto no esplendor das salas!”


Por que introduzir o assunto com esses dois versos? Porque eles falam o que é e para que serve a verdadeira música tradicionalista gaúcha. A música gaúcha fala das tradições, dos costumes, dos sentimentos do povo do Rio Grande do Sul e sua história, e para isso utiliza vários ritmos: vanera, milonga, chamamé, rancheira, entre outros. Mas, infelizmente, essa música está tomando um rumo diferente.

Estão criando uma “música inovadora”, como afirmou um dos membros da banda Tchê Garotos em entrevista ao Fantástico, da Rede Globo, a Tchê Music (detalhe: nome escrito em inglês).
A Tchê Music é um estilo de música que reúne vários ritmos como o vanerão, axé, música latina, samba, forró e , a partir daí, “pega na colher e vai mexendo o panelão, vai mexendo o panelão, vai mexendo o panelão”, e depois de tudo misturado está pronta a Tchê Music. O problema está na miselânea de ritmos que ninguém sabe diferenciar o que é tradicional gaúcha do que é forró, axé, latina, só escuta-se letras com “melodias” de socadão, chevetão e pegadão, letras que muitas vezes apelão para a vulgaridade. E mais um outro problema, são tocadas em CTGs, Centro Tradicionalista Gaúcho. Quem gosta e faz a Tchê Music acredita que esta é uma nova forma de levar a cultura gaúcha ao público. Na hora de vender um cd vendem assim: “CD faz a moçada entrar no clima da música gaúcha. A música tradicional gaúcha não para de ganhar adeptos. O interessante é que até a juventude vem se interessando cada vez mais pelo mundo das bombachas, gaita e chimarrão. Este CD foi feito sob encomenda para quem tem curiosidade em conhecer um pouco sobre ritmos como chamamé, polca, milonga e guarânia...”


Por fim, concordo que possam ser criados outros estilos de músicas, porém questiono a confusão de valores e conceitos que acaba sendo construída devido ao modo como a Tchê Music é divulgada para um mesmo público e ocupando o mesmo espaço da música tradicionalista gaúcha. Penso, que a distinção entre Tchê Musica e música gaúcha, tem que estar bem definida, principalmente quando a primeira é exportada para os outros estados brasileiros. Melhor seria, se a Tchê Music fosse chamada de Brazil Music, vamos melhor ainda: Música do Brasil. Afinal, não é para gringo escutar. Caberia aqui, quem sabe, uma discussão semiológica do assunto, fica a sugestão.

As músicas:

Tchê Music: Tchê Garotos
Vai mexendo o panelão

Pegue na colher e vai mexendo o panelão
vai mexendo o panelão, vai mexendo o panelão
eu botei fogo embaixo dessa panela
e eu to grudado nela e dela nao vou mais largar
botei de tudo que pude pra dentro dela
e engrossei o caldo dela e de ferver nao vai parar
eu quero vero resultado da mistura
juntei coisa pura, e caprichei no tempero
a comidinha ja me deixou viciado
e eu to encantado, quero comer o tempo inteiro
pegue na colher e vai mexendo o panelão
vai mexendo o panelão, vai mexendo o panelão


Música Tradicionalista: Aparicio Silva Rillo/ Pedro Ortaça
Timbre de Galo

Rio Grande, berro de touro, quatro patas de cavalo
Quem não viveu este tempo, vive este tempo ao cantá-lo
Eu canto porque me agrada, este meu timbre de galo.

É verdade que alguns dizem, que os tempos hoje são outros
Que o campo é quase a cidade, meus chiripás estão rotos
Que as esporas silenciaram, na carne morta dos potros.

Cada um diz o que pensa, isso aprendi de infância
Mas nunca esqueça o herege, que as cidades de importância
Se esqueceram nos alicerces, dos portins e das estâncias.
Não esqueça de outra parte, para honrar a descendência,
Que tudo aquilo que muda, muda só nas aparências
Que até num bronze de praça, vive a raiz da querência.

Eu nasci no tempo errado, ou voltei muito depressa
Dei oh de casa em tapera, fiquei dizendo promessa
Mas se eu pudesse eu voltava, pra onde o Rio Grande começa.

E se me chamam de grosso, nem me bate a passarinha
Argila do mundo novo, não tem a mescla da minha
Sovado a casco de touro, com água de carquejinha.


Eu recomendo Luiz Marenco, Walter Morais, Os Mirins, José Cláudio Machado, caso queira realmente escutar a música tradicional gaúcha e dançar um verdadeiro fandango.

-Giovana Alvarenga-

quarta-feira, novembro 23, 2005

Televisão(2)

Não há programas bons na televisão?

Quem disse que apenas as noites de sexta-feira são interessantes e agitadas? Culturalmente, não são apenas as baladas e a curtição do final de semana que vêm a agregar algo em termos de conhecimento e diversão. Na televisão brasileira, há muito mais que apenas telenovelas, filmes e seriados. Um exemplo disso, é o Roda Viva, no ar desde 1986 e veiculado pela Rede Cultura de Televisão às segundas-feiras, a partir das 22h 30min.

Desde filósofos a antropólogos e políticos, diversas personalidades participam de debates sobre os mais variados temas, como cultura, esportes, artes e saúde. A roda de entrevistas, em torno de apenas um entrevistado, ao invés de monótona, torna-se um instigante bombardeio de perguntas, capaz de aprofundar temas que muitas vezes são abordados superficialmente pelos meios de comunicação. E o melhor de tudo é que um programa com essa qualidade é veiculado em rede aberta, à qual podem ter acesso milhares de pessoas.

Recentemente, completando o programa de número mil, o entrevistado foi o excelentíssimo presidente da República, Inácio Lula da Silva, que teve que responder a questões as quais sempre se esquivava e deixava a imprensa ansiosa por mais detalhes. Os jornalistas, como sempre, não deixaram barato, e não se importaram de fazer perguntas que pudessem deixar o convidado embaraçado ou sem resposta convincente.

Sem papas na língua, o Roda Viva é um programa inteligente e dinâmico, no qual a curiosidade dos jornalistas apimenta discussões, incandeia interrupções e esclarece dúvidas. Para quem reclama que a televisão brasileira é pobre, talvez esteja na hora de trocar de canal...

-Cláudia Kessler-

terça-feira, novembro 22, 2005

Internet(2).

Matando cachorro (e leão) a grito (e sussuro)


BESTIÁRIO, adj. Referente a bestas; s. m. o gladiador que no circo combatia com as feras; coleção de fábulas ou escritos sobre animais reais ou fantásticos. (Do lat. bastiariu.)


Ou pelo menos é assim que um dicionário define essa palavra. Para uma nova definição, é melhor entrar na revista literária online Bestiário (www.bestiário.com.br).

A revista é uma iniciativa do escritor Charles Kiefer (autor de, entre outros, Valsa para Bruno Stein e O escorpião da sexta-feira) com o artista plástico Roberto Schmitt-Prym. Kiefer ministra uma oficina de contos tão reconhecida no meio literário quanto a de Luiz Antônio de Assis Brasil. Parece que cansou de trabalhar com papel e migrou pra internet.



Ou não! Afinal, a Bestiário é uma revista eletrônica, mas, também, uma editora. Que publica, inclusive, textos de Assis Brasil. Mas, falando do site: há contos de tudo que é tipo: clássicos da literatura, traduções, obras de autores iniciantes, obras hispano-americanas e de outros países, artigos... Enfim, a Bestiário está em seu segundo ano, na vigésima edição, já publicou muita coisa.

E poesia, tem? Tem sim, mas aí o link é outro: a revista Máquina do Mundo (www.bestiario.com.br/maquinadomundo). Mesmos autores, mesma proposta. Só que em poesia.



E o que tem a ver isso tudo com a definição do dicionário? Onde estão as bestas, as feras? E fábulas, o site não tem só isso! Nem fala só de animais reais ou fantásticos! Bem, talvez Bestiário queria dar justamente uma idéia de grandiosidade, de magnitude, como a cena de um gladiador jogando sua vida com a das feras. E o site tem isso? Ah, tem sim. Só que em vez de espadas, os gladiadores do Bestiário lutam usando canetas, ou melhor, teclas.

Duvida? Bom, aí só lendo pra crer!


-Augusto Paim -

sexta-feira, novembro 18, 2005

Cinema (10)


Ética Jornalística

"A Montanha dos Sete Abutres", apesar do nome não indicar, é um filme americano de 1951 que trata sobre ética jornalística, manipulação dos fatos pela mídia e individualismo. Dirigido pelo austríaco Billy Wilder (O Pecado Mora ao Lado), conta a história de ambição do repórter Charles Tatum, que após ter sido demitido várias vezes, está trabalhando em um pequeno jornal do interior do Novo México. Ele está a espera de uma grande reportagem, mas só recebe pautas pequenas como a cobertura da corrida de cascavéis, evento para o qual se dirigia quando pára em um posto de gasolina na estrada e descobre que o dono do estabelecimento, Leo Minosa, ficou preso numa caverna da Montanha do Sete Abutres, enquanto procurava relíquias indígenas.



Para escrever sua história e conseguir repercussão nacional, Tatum conta com a ajuda da ambiciosa mulher de Minosa e com o xerife local, e retarda em seis dias o resgate que poderia ter sido feito em algumas horas. A trama denuncia a falta de ética, não só jornalística, como do cidadão, que manipula os fatos para desencadear notícias sensacionalistas e conseguir a história que o levaria de volta aos grandes jornais. Mostra também a celebridização do cidadão comum, cujo acidente acaba por atrair uma multidão de curiosos para as proximidades da montanha. Além das lanchonetes e comerciantes que aproveitaram a situação para vender, um parque de diversões é montado no local. Recebeu uma indicação ao Oscar de Melhor Roteiro e ganhou o prêmio internacional do Festival de Veneza.






Outro filme que aborda a ética jornalística é "O Quarto Poder", do diretor grego Costa-Gravas, produzido em 1997. O repórter de TV Max Brackett (Dustin Hoffman) procura recuperar a fama e voltar para Nova York. Enquanto faz uma matéria num museu de uma pequena cidade da Califórnia, onde está trabalhando, vê na atitude do segurança ( John Travolta) recém demitido do museu, que seqüestra um grupo de crianças, uma oportunidade de voltar ao estrelato. Combina com o seqüestrador uma entrevista exclusiva em troca de sensibilizar a audiência com uma reportagem sensacionalista, que conseguiria comoção nacional.

-Sabrina Siqueira-

quinta-feira, novembro 17, 2005

Literatura (16)


Um trecho de um texto bastante interessante do grande escritor argentino Jorge Luis Borges:




"Vou procurar, então, recordar um conto meu. Enquanto me traziam para cá, fiquei pensando em um conto meu, não sei se vocês leram, e que se chama “El Zahir”. Vou lembrar como cheguei à concepção desse “conto”.
Não recordo a data em que o escrevi, sei apenas que era diretor da Biblioteca Nacional, que fica no sul de Buenos Aires, perto da igreja de La Concepción. Conheço bem esse bairro. Meu ponto de partida foi uma palavra, uma palavra que usamos quase todos os dias sem nos dar conta do mistério que nela há, exceto que todas as palavras são misteriosas. Pensei na palavra inesquecível. Unforgettable, em inglês. Detive-me, não sei por que, já que havia ouvido essa palavra milhares de vezes, quase não passava um dia sem que a ouvisse. Pensei: que coisa extraordinária seria se houvesse algo de que realmente não pudéssemos nos esquecer? Que fantástico seria se houvesse, no que chamamos realidade, uma coisa, um objeto, por que não?, que fosse realmente inesquecível!


Este foi meu ponto de partida, bastante abstrato e pobre: pensar no possível sentido dessa palavra ouvida, lida, literalmente inesquecível, unforgettable, unvergesslich, inouviable. Foi um consideração bastante pobre, como vocês podem ver.
Depois, pensei que se existe algo inesquecível, deve ser algo comum, já que se tivéssemos uma Quimera, por exemplo, um monstro de três cabeças, uma cabeça, se não me engano, de cobra, outra de serpente, outra de cão, não tenho certeza, certamente recordaríamos isto. De modo que não haveria graça nenhuma num conto com um minotauro, uma quimera, um unicórnio inesquecíveis. Não, teria que ser alguma coisa bem comum. Ao pensar nessa coisa comum, pensei imediatamente numa moeda, já que são cunhadas milhares e milhares de moedas absolutamente iguais. Todas com a efígie da liberdade ou um escudo, ou com certas palavras convencionais. Que coisa extraordinária seria se houvesse uma moeda, uma moeda perdida entre esses milhões de moedas, que fosse inesquecível. Pensei, assim, numa moeda que já saiu de circulação, uma moeda de vinte centavos, uma moeda igual às outras, igual à moeda de cinco ou à de dez centavos, um pouco maior. Que coisa extraordinária seria se, entre os milhões, literalmente, de moedas cunhadas pelo Estado, houvesse uma que fosse inesquecível. Daí surgiu-me uma idéia: uma inesquecível moeda de vinte centavos. Não sei se elas ainda existem, se os numismáticos as colecionam, se elas têm algum valor, mas, enfim, não pensei nisso naquele instante. Pensei numa moeda que, para os objetivos do meu conto, teria de ser inesquecível. Isto é, uma pessoa que a visse não poderia mais pensar em outra coisa.


Depois, encontrei-me diante da segunda ou terceira dificuldade. Perdi a conta das dificuldades. Por que essa moeda viria a ser inesquecível? O leitor não aceitaria tal idéia. Eu tinha de preparar o inesquecível da minha moeda, e para tanto convinha supor um estado emocional em que ele a via, tinha de insinuar a loucura, já que o tema de meu conto é um tema que se parece com a loucura ou a obsessão. Pensei, como pensou Edgar Allan Poe quando escreveu seu merecidamente famoso poema “O corvo”, na morte de uma mulher bonita. Poe se perguntou a quem poderia impressionar a morte dessa mulher bonita e deduziu que tinha de impressionar a alguém que estivesse apaixonado por ela. Daí cheguei a idéia de uma mulher, por quem, no conto, estou apaixonado, e que morre, o que me deixa desesperado. Neste ponto, teria sido fácil, talvez fácil demais, que essa mulher fosse como a perdida Leonor, de Poe. Mas, não. Decidi mostrar essa mulher de um modo satírico, mostrar o amor de quem não esquecerá a moeda de vinte centavos como um pouco ridículo. Todos os amores o são para quem os vê de fora. Assim, ao invés de falar da beleza do love splendor, converti-a numa mulher bastante trivial, um pouco ridícula, nem feia nem muito linda. Imaginei uma situação que ocorre com freqüência: um homem é apaixonado por uma mulher, não pode viver sem ela, mas, ao mesmo tempo, sabe que essa mulher não é especialmente recomendável, digamos, para sua mãe, para suas primas, para a camareira, para a costureira, para as amigas. No entanto, para ele, esse mulher é única.





Isto me levou a uma outra idéia: a de que talvez toda pessoa seja única e que nós não vemos o extraordinário que fala a favor dessa pessoa. Às vezes, penso que isto se dá em tudo. Senão, fixemo-nos no fato de que na natureza ou em Deus, Deus sive Natura, como dizia Spinoza, o importante é a quantidade e não a qualidade. Por que não supor, então, que haja algo singular em cada formiga e que por isso Deus, ou a natureza, cria milhões de formigas. O que é falso. Não há milhões de formigas, há milhões de seres diferentes, mas a diferença é tão sutil que nós as vemos como iguais.

O que é, pois, estar apaixonado? Estar apaixonado é perceber o que há de extraordinário em cada pessoa, singularidade essa que não pode ser comunicada a não ser por meio de hipérboles ou de metáforas. Então, por que não imaginar que essa mulher, um pouco ridícula para todos, pouco ridícula para quem está apaixonado por ela, que essa mulher morra. Depois, temos o velório. Escolhi o lugar do velório, escolhi a esquina, pensei na igreja da Conceição, uma igreja não muito famosa nem muito interessante, e no homem que, depois do velório, vai tomar um refresco num botequim. Paga, dão-lhe uma moeda de troco, e ele percebe, em seguida, que há algo nela: foi riscada, o que a diferencia das outras. Ele vê a moeda, está muito emocionado pela morte da mulher, mas, ao ver a moeda, já começa a se esquecer de tudo e a pensar somente na moeda. Eu tinha, assim, o objeto mágico para o conto. Depois é que surgem as tentativas do narrador de livrar-se de sua obsessão. Diversos artifícios são utilizados: um deles é perder a moeda. Leva-a, então, a outro botequim, distante dali. Usa-a para pagar, procura esquecer em que esquina o botequim se encontrava, mas isso não resolve o problema, ele continua pensando na moeda. Chega a extremos um tanto absurdos. Por exemplo, compra uma libra esterlina, com São Jorge e o dragão, examina-a com uma lupa, procura pensar nela e esquecer a moeda de vinte centavos, já perdida para sempre, mas não consegue livrar-se da lembrança. Até o final do conto, o homem vai enlouquecendo, mas pensa que essa mesma obsessão poderá salvá-lo. Isto é, haverá um momento no qual o Universo já terá desaparecido e o próprio Universo será uma moeda de vinte centavos. Então ele, e aqui produzi um pequeno efeito literário, ele, Borges, estará louco, não saberá mais que é Borges. Já não será outra coisa a não ser o espectador dessa perdida moeda inesquecível. E conclui com uma frase devidamente literária, isto é, falsa: “Talvez por detrás da moeda esteja Deus”. Ou seja, se alguém vê uma só coisa, essa coisa única é absoluta. Há outros episódios que esqueci, alguns talvez que vocês recordem. Ao final, ele não pode dormir, sonha com a moeda, não pode ler, a moeda se interpõe entre o texto e ele, quase não pode falar senão de um modo mecânico, por que realmente está pensando na moeda.
Assim termina o conto".

sábado, novembro 12, 2005

Artes Plásticas (1)

Os quadros já eram Picasso





Esses dias, quando finalmente assisti o documentário “Nós que aqui estamos por vós esperamos” criado a partir de imagens antigas e retratando o século XX me deparei com a frase “os quadros já eram Picasso”. Nenhuma explicação adicional além da foto do artista no meio da tela.

E quem poderia ser o símbolo da arte deste século? Qualquer um vai logo responder o que todo mundo afirma aos quatro ventos: Picasso. Num século que a arte se consolidou moderna e que inúmeros artistas e movimentos nasceram e se dispersaram em pouquíssimo tempo, se comparado com a Renascença e o Barroco, porque Picasso se tornou o ícone?

A resposta não está só na sua obra, apesar de inovadora, intensa, e bela, Mas na sua personalidade, na fama que seu nome adquiriu. Num século onde a palavra celebridade tomou um significado especial, Picasso foi uma celebridade da arte moderna. Seu temperamento egocêntrico, as histórias de boêmia, seus relacionamentos tumultuados com suas mulheres e as lendas que se contam dele. Como a de que com um rabisco em um guardanapo pagava as contas do restaurante onde havia ido jantar com os amigos. Além de suas declarações: "Minha mãe me dizia: 'Se queres ser um soldado, serás general. Se queres ser um monge, acabarás sendo Papa.' Então eu quis ser um pintor e agora sou Picasso."





Acredito que sua obra pode ser comparada em qualidade e inovação com a de seus contemporâneos Matisse ou Braque. Mas Picasso soube usar sua imagem e personalidade em favor de sua obra. Ao morrer deixou uma fortuna calculada em 300 milhões de dólares. Só o que não se pode dizer é que sua obra não tem qualidade, pois toda a usa fama já teria se dissipado como a de tantas celebridades instantâneas que existem por aí.

-Édina Girardi-

quinta-feira, novembro 10, 2005

Música (4)

Pink Floyd – Live at Pompeii

Misto de documentário e gravação de show ao vivo, Live At Pompeii é um retrato documental de uma banda no seu ápice criativo.




Em 1971, o Pink Floyd já tinha 4 anos de estrada, 6 discos gravados, e embora estivesse longe de ser um grande sucesso comercial que ainda viria a ser anos depois, já era uma banda reconhecida mundialmente, expoente maior do que se chamava rock progressivo – uma aproximação do rock com a música clássica. Sua música era inventiva, lisérgica, psicodélica, surrealista, colorida – excelente para um registro em imagens.

Pensando nisso, o diretor francês Adrian Maben propôs a banda de gravar um show nas ruínas da mítica cidade italiana de Pompéia, destruída pela erupção do vulcão Vesúvio na época do Império Romano. Mas seria um show sem público: num anfiteatro antigo, só a banda, os técnicos, e o deslumbrante cenário. Depois de um tempo de negociações, assim foi feito. E o resultado foi extraordinário: o som do Pink Floyd soa límpido, perfeito; o cenário é imponente, espetacularmente belo, potencializando o efeito visual de cada música, transformando o registro em uma extraordinária experiência audiovisual.





Para complementar o filme , um ano depois foram gravadas cenas dos bastidores da gravação do clássico Dark side of the Moon, o disco que catapultaria a banda ao sucesso comercial no mundo inteiro, e até hoje considerados um dos melhores álbuns de rock de todos os tempos. Na cantina do estúdio onde gravavam o álbum, as imagens mostram as conversas informais, as brincadeiras entre os quatro integrantes, revelando uma banda que nunca se deixou revelar, e que até o seu fim foi avessa a mídia e a exposição.

Nas conversas com o diretor, o tom é de documentário: os quatro integrantes falam sobre a banda, seu processo criativo, brigas, rock’roll, equipamentos e outras coisas comuns. Nas entrelinhas se percebe alguns detalhes interessantes : que o compositor e “cabeça” intelectual da banda é Roger Waters, o baixista e vocalista; que o tecladista Richard Wright é o “excluído” da banda, fala pouco e é quase “mandado” pelos outros integrantes; que David Gilmour, o guitarrista e vocalista, é o “patrão” : fala como se fosse a voz oficial da banda; entre outros detalhes que ajudam a humanizar e nos fazer conhecer mais desse grande enigma em forma de banda chamado Pink Floyd, notadamente uma das bandas mais importante do século passado, talvez só perdendo em importância e influência no rock para os Beatles.


DVD PINK FLOYD – LIVE AT POMPEII (Versão do diretor) - 2004 ( o filme original é de 1974)

Diretor: Adrian Maben
Extras:
_ Entrevista com o diretor
_ Filme do Concerto Original
_ Galeria de fotos, capas de álbuns, letras, história e mapa de Pompéia.

Pink Floyd é:
Roger Waters: baixo, vocal
David Gilmour: guitarras, vocal
Nick Mason: bateria
Richard Wright: teclados e backing vocais


-Leonardo Foletto-

segunda-feira, novembro 07, 2005

Música (3)


Uma caixinha (musical) de surpresas


Imagine chegando à sua casa um cubinho de papelão de uns quinze centímetros de altura, marrom, lacrado com uma fitinha vermelha, uma tampinha em cima. Pois bem, algo assim, tão singelo, pode chocar pelo preço: R$ 147,00.

Afinal, quando você abre, em vez de uma serpente de borracha ou um a cabeça de um palhacinho, você encontra nove cds. O Brasil em nove cds, aliás. Como diz na embalagem.

Trata-se da produção das duas vertentes do programa Rumos, do Itaú Cultural (www.itaucultural.org.br/rumos): Música e Literatura-Audioficções. Na primeira, são 50 artistas de todos os estados brasileiros, contemplando os mais diferentes gêneros musicais: de milonga gaúcha a rock, passando por axé, música caipira, intrumental e indígena, dentre tantos outros. No total, são 112 canções.

Já no Rumos Literatura-Audiofições, dois livros-cds contém as 18 obras selecionadas no programa em dezembro do ano passado.

É uma verdadeira viagem. Novamente pegando as inscrições da caixinha, "uma viagem de mais de 30.000km pelo Brasil". Mas, diferente de pegar estrada, essa é uma viagem da qual você gasta, mas, no fim, sai mais rico que quando botou o pé na estrada. E de uma riqueza que não há dinheiro que pague!

-Augusto Machado Paim-

domingo, novembro 06, 2005

Cinema (9)
Geração Roubada




O início do filme já desperta curiosidade ao ser apresentado, pela voz da personagem principal, Mooly Craig (Everlyn Sampi), como uma história real – ou quase, considerando os elementos cinematográficos a comover os espectadores. Entretanto, esses recursos parecem não ter sido muito explorados em Geração Roubada, já que o filme dirigido por Phillip Noyce (também diretor de O Colecionador de Ossos e Perigo Real e Imediato) foge de apelações. A história de três meninas – Molly, sua irmã Daisy (Tianna Sansbury) e sua prima Gracie (Laura Monaghan) – já é comovente o bastante. Elas foram raptadas da aldeia onde viviam com suas mães aborígines, porque seus pais eram brancos – e a Austrália de 1905 a 1971 não admitia miscigenação. Descendentes mestiços eram literalmente caçados e confinados em colônias de falso intuito educativo. Lá, proibidos de se comunicar pelo dialeto nativo, falavam somente o inglês. “Aprendiam” a cultura dos brancos, para mais tarde servi-los e perdiam a identidade cultural aborígine. Os brancos que enxergavam eram freiras e autoridades governamentais, cujo objetivo era impedir a proliferação da terceira raça “indesejável”. Os “mais brancos”, julgados "mais inteligentes", eram inseridos na sociedade como empregados.





Molly tinha 14 anos de idade quando raptada, e já havia aprendido formas de sobrevivência aborígines. Foi isso que possibilitou sua fuga da autoridade dos brancos e a permanência por nove semanas no deserto, guiando as outras duas meninas. Elas percorreram quase três mil quilômetros (algo como ir de Porto Alegre a Salvador) em regiões áridas, seguindo a “cerca à prova de coelho” (em inglês, rabbit proof-fence, o nome original do filme). Passaram por fome, sede, medo e cansaço. Mas essas emoções, assim como a vontade de estar junto às suas mães, que motivou a aventura, não foram muito aprofundadas. Além disso, o personagem do rastreador que segue as fugitivas ganha um tratamento superficial se comparado à riqueza do conflito em que vive – sua raça aborígine e o servilismo ao preconceito branco – o que provoca certa inquietação. A narrativa linear centra-se na longa caminhada das meninas, as quais contaram com muita sorte ao encontrarem outros aventureiros no deserto que lhes davam comida e indicavam caminhos mais curtos. As três escapam de tanta emboscada do governo na tentativa de recapturá-las que às vezes fica difícil de acreditar na realidade daquilo. Porém, o final traz novamente e com mais força a lembrança de que a história recém vista é real. E é nisso que o filme se vale – a denúncia da crueldade com a cultura aborígine no início do século XX, e a renúncia perseverante de três meninas ao preconceito que resultou na chamada “geração roubada”.



Ficha Técnica
Título Original: Rabbit-Proof Fence
Direção: Phillip Noyce
Roteiro: Christine Olsen (baseado no livro de Doris Pilkington, filha de Molly Craig)
Tempo de Duração: 94 minutos
Ano de Lançamento (Austrália): 2002
Premiado pelo público na Mostra Internacional de São Paulo
Site Oficial: www.miramax.com/rabbitprooffence


-Danuza Facco Matiazzi-

quinta-feira, novembro 03, 2005

Literatura(15)


Para você, a primeira impressão é a que fica? Nesse mundo de rápida circulação, tanto de capitais quanto de pessoas e mercadorias, a primeira impressão pode até mesmo ser considerada um sintoma desses novos tempos.
Antes, as pessoas viviam a milhares de quilômetros de seu vizinho mais próximo, os meios de comunicação não eram tão eficientes e as tecnologias ainda eram muito incipientes. Hoje, em questão de segundos podemos enviar diversos caracteres de texto, fotos e informações a pessoas que estão muito distantes de nós. Os contatos se tornaram mais fáceis, até mesmo aqueles de primeiro grau...

A primeira impressão não é só aquela do contato pessoal, mas também aquela impressão que você tem daquele produto que acaba de ser lançado, daquele nick que você vê no chat, da nova atriz que estreou, da nova novela que está passando... Enfim, hoje tudo é mais rápido, (talvez até mesmo mais volátil) assim como umas celebridades que surgem e outras que se apagam em questão de pouco tempo.
Mas, e como você está situado nessa correria? Você já percebeu que também causa uma primeira impressão nas outras pessoas, ou sequer tinha consciência disso? Pois é essa visão que passa o livro "A primeira impressão é a que fica", de Ann Demarais e Valerie White, ambas Ph.D., consultoras de muitas das 100 maiores empresas, segundo lista da revista Fortune. Nesse "mini-manual", você vai encontrar dicas para perceber como é a primeira impressão que você passa e poderá aprender que a primeira impressão pode até ser revogável, mas fica marcada por muito tempo na memória das outras pessoas.

Para as autoras, uma boa primeira impressão depende de muitos fatores, dentre eles, os chamados "sete princípios básicos": ser acessível, demonstrar interesse pelo outro, discutir temas objetivos, revelar um pouco sobre si mesmo, aplicar a dinâmica da conversa, manifestar sua visão de mundo e mostrar seu sex appeal. Muitos dos princípios não têm muito embasamento teórico, são frutos de um senso comum e da experiência que as autoras acumularam durante anos de consultoria. Olha, se a vizinha tiver o livro ou você ganhar de aniversário, não custa dar uma olhadinha, nem que seja para dar algumas risadas.

-Cláudia Kessler-

quarta-feira, novembro 02, 2005

Cinema (8).

O Filho da Noiva



Quarentão em crise com a família sofre um ataque cardíaco e reencontra um amigo de infância. Esses dois acontecimentos desagradáveis (o amigo era um chato e não troca de roupa quase que o filme inteiro!) o fazem repensar sobre suas atitudes e encarar a vida com outros olhos. Como se não bastasse, o pai idoso resolve finalmente realizar o sonho de juventude da companheira de sacramentar a união na Igreja, só que a mãe está com Mal de Alzeimer e perdera a memória. Nestas circunstâncias, nenhum padre aceita realizar a cerimônia.

Filme argentino de 2001, dirigido por Juan José Campanella, recebeu uma indicação ao Oscar na categoria Melhor Filme Estrangeiro e ganhou os prêmios da Crítica, do Júri popular e de Melhor Atriz (Norma Aleandro, a mãe caduca), no Festival de Gramado. Apesar de Ter encontrado na Internet classificado como drama, insisto que é uma comédia hilária. Apesar de ser uma produção argentina, o protagonista Rafael tem aquela ginga brasileira de saber rir das próprias tragédias.

-Sabrina Siqueira-