domingo, novembro 06, 2005

Cinema (9)
Geração Roubada




O início do filme já desperta curiosidade ao ser apresentado, pela voz da personagem principal, Mooly Craig (Everlyn Sampi), como uma história real – ou quase, considerando os elementos cinematográficos a comover os espectadores. Entretanto, esses recursos parecem não ter sido muito explorados em Geração Roubada, já que o filme dirigido por Phillip Noyce (também diretor de O Colecionador de Ossos e Perigo Real e Imediato) foge de apelações. A história de três meninas – Molly, sua irmã Daisy (Tianna Sansbury) e sua prima Gracie (Laura Monaghan) – já é comovente o bastante. Elas foram raptadas da aldeia onde viviam com suas mães aborígines, porque seus pais eram brancos – e a Austrália de 1905 a 1971 não admitia miscigenação. Descendentes mestiços eram literalmente caçados e confinados em colônias de falso intuito educativo. Lá, proibidos de se comunicar pelo dialeto nativo, falavam somente o inglês. “Aprendiam” a cultura dos brancos, para mais tarde servi-los e perdiam a identidade cultural aborígine. Os brancos que enxergavam eram freiras e autoridades governamentais, cujo objetivo era impedir a proliferação da terceira raça “indesejável”. Os “mais brancos”, julgados "mais inteligentes", eram inseridos na sociedade como empregados.





Molly tinha 14 anos de idade quando raptada, e já havia aprendido formas de sobrevivência aborígines. Foi isso que possibilitou sua fuga da autoridade dos brancos e a permanência por nove semanas no deserto, guiando as outras duas meninas. Elas percorreram quase três mil quilômetros (algo como ir de Porto Alegre a Salvador) em regiões áridas, seguindo a “cerca à prova de coelho” (em inglês, rabbit proof-fence, o nome original do filme). Passaram por fome, sede, medo e cansaço. Mas essas emoções, assim como a vontade de estar junto às suas mães, que motivou a aventura, não foram muito aprofundadas. Além disso, o personagem do rastreador que segue as fugitivas ganha um tratamento superficial se comparado à riqueza do conflito em que vive – sua raça aborígine e o servilismo ao preconceito branco – o que provoca certa inquietação. A narrativa linear centra-se na longa caminhada das meninas, as quais contaram com muita sorte ao encontrarem outros aventureiros no deserto que lhes davam comida e indicavam caminhos mais curtos. As três escapam de tanta emboscada do governo na tentativa de recapturá-las que às vezes fica difícil de acreditar na realidade daquilo. Porém, o final traz novamente e com mais força a lembrança de que a história recém vista é real. E é nisso que o filme se vale – a denúncia da crueldade com a cultura aborígine no início do século XX, e a renúncia perseverante de três meninas ao preconceito que resultou na chamada “geração roubada”.



Ficha Técnica
Título Original: Rabbit-Proof Fence
Direção: Phillip Noyce
Roteiro: Christine Olsen (baseado no livro de Doris Pilkington, filha de Molly Craig)
Tempo de Duração: 94 minutos
Ano de Lançamento (Austrália): 2002
Premiado pelo público na Mostra Internacional de São Paulo
Site Oficial: www.miramax.com/rabbitprooffence


-Danuza Facco Matiazzi-