Teatro(3)
Numa cidade do interior...
A chuva de um sábado à noite não intimidou dezenas de crianças, pais e mães, adolescentes, jovens e casais de namorados. Sob a lona azul e vermelha – em forma de circo – cadeiras de plástico no terreno irregular, de frente para uma cortina dourada que reluzia já sem muita luz. O espetáculo que ali atrás logo mais aconteceria alguns do público já tinham assistido, há cerca de sete anos. O teatro itinerante Serelepe já passara por aquela cidade de vinte mil habitantes, onde ficou por três meses, tempo suficiente para serem criados laços de amizade ou um carinho especial. O jornal local anunciava no dia em que o grupo se instalou com seus cinco trailers no terreno baldio na entrada da cidade: “estréia para a próxima semana”. E desde então, um dos eventos mais programados era a ida ao Serelepe.
Pois naquela segunda noite de espetáculo, com chuva forte e frio, o lonão quase lotou. As pessoas chegavam ofegantes, de cabelos e casacos molhados, e procuravam pelas cadeiras menos gotejadas. Uma voz anuncia nas caixas de som: “nossos espetáculos sempre começam pontualmente às nove horas da noite. Pedimos compreensão hoje, pois vamos atrasar alguns minutos em função da chuva”. Ninguém se importou muito, e mais pessoas iam chegando e se dividindo entre as fileiras mais perto do palco – cujos ingressos custavam cinco reais – e as mais do fundo – à quatro reais.
Nove e quinze uma luz forte incide na cortina dourada. Fica quase difícil continuar olhando para frente. As crianças nas primeiras cadeiras olham atentas ao pano que sobe ligeiro e aos dois personagens que entram em cena. Um deles é o astro da noite: o palhaço Serelepe Carneiro, vestido de bermudão e casaco jeans costurados de retalhos xadrez, o rosto marcado com pan cake branco, lápis preto na boca e nos olhos – delineando formas originais, diferente das dos palhaços “corriqueiros”. A gravata vermelha dele vai até o joelhos e suporta o microfone de lapela, necessário pelo fato de a acústica do local não favorecer a voz dos atores, e a voz do Serelepe estar – ao que pareceu desde a primeira estada por ali – bastante prejudicada. O palhaço tem de forçar bastante os músculos do pescoço para que a voz saia, e mesmo assim rouca e falha. Chego até a ficar angustiada com o esforço dele ao falar e com o dano que deve causar às suas cordas vocais. Os outros personagens precisam ficar embaixo de um dos três microfones pendurados no teto do cenário.
O palhaço consegue arrancar risadas, mas da outra vez parecia que era mais engraçado – talvez a chuva e o frio tenham intimidado alguns risos. Os mais unânimes acontecem quando o Serelepe – conhecido e conhecedor de vários moradores – brinca e faz troça com alguns deles que estão na platéia.
Palmas finalizam uma hora e meia de espetáculo, acompanhado com maçãs do amor, pipoca, refrigerante e outros atrativos. Os meninos que os vendiam são filhos dos casais do grupo, que mais assistem ao espetáculo do que se preocupam em receber o pagamento ou dar o troco. “Serelepe, o cuiudo de Júlio de Castilhos”, acho, deveria ser censurado para menores de doze anos. A peça apela muitas vezes para o humor pornográfico. Nada muito pesado, mas que podia economizar as crianças. Da mesma forma os tapas na cara (de verdade) e empurra-empurra nas simulações de brigas. Talvez o público merecia também diálogos mais interessantes. Porém, não é isso que se busca lá. Justamente esse tipo de diversão é o que atrai no Serelepe. Um humor sem muito compromisso, que diverte no deboche.
Numa cidade do interior – que já teve cinema (!), o qual foi transformado por um tempo em Igreja Universal e há dois anos aguarda verbas para ser reformado em espaço cultural; em que a feira do livro não teve a apreciação esperada; em que momentos teatrais são raros, organizados por duas ou três professoras que por paixão à arte mobilizam alguns alunos em peças para datas comemorativas; e onde o poder aquisitivo da maioria não oportuniza outras ou mais apreciações artísticas – o Teatro Serelepe terá muita platéia até o final da sua temporada por lá.
-Danuza Facco Matiazzi-
Numa cidade do interior...
A chuva de um sábado à noite não intimidou dezenas de crianças, pais e mães, adolescentes, jovens e casais de namorados. Sob a lona azul e vermelha – em forma de circo – cadeiras de plástico no terreno irregular, de frente para uma cortina dourada que reluzia já sem muita luz. O espetáculo que ali atrás logo mais aconteceria alguns do público já tinham assistido, há cerca de sete anos. O teatro itinerante Serelepe já passara por aquela cidade de vinte mil habitantes, onde ficou por três meses, tempo suficiente para serem criados laços de amizade ou um carinho especial. O jornal local anunciava no dia em que o grupo se instalou com seus cinco trailers no terreno baldio na entrada da cidade: “estréia para a próxima semana”. E desde então, um dos eventos mais programados era a ida ao Serelepe.
Pois naquela segunda noite de espetáculo, com chuva forte e frio, o lonão quase lotou. As pessoas chegavam ofegantes, de cabelos e casacos molhados, e procuravam pelas cadeiras menos gotejadas. Uma voz anuncia nas caixas de som: “nossos espetáculos sempre começam pontualmente às nove horas da noite. Pedimos compreensão hoje, pois vamos atrasar alguns minutos em função da chuva”. Ninguém se importou muito, e mais pessoas iam chegando e se dividindo entre as fileiras mais perto do palco – cujos ingressos custavam cinco reais – e as mais do fundo – à quatro reais.
Nove e quinze uma luz forte incide na cortina dourada. Fica quase difícil continuar olhando para frente. As crianças nas primeiras cadeiras olham atentas ao pano que sobe ligeiro e aos dois personagens que entram em cena. Um deles é o astro da noite: o palhaço Serelepe Carneiro, vestido de bermudão e casaco jeans costurados de retalhos xadrez, o rosto marcado com pan cake branco, lápis preto na boca e nos olhos – delineando formas originais, diferente das dos palhaços “corriqueiros”. A gravata vermelha dele vai até o joelhos e suporta o microfone de lapela, necessário pelo fato de a acústica do local não favorecer a voz dos atores, e a voz do Serelepe estar – ao que pareceu desde a primeira estada por ali – bastante prejudicada. O palhaço tem de forçar bastante os músculos do pescoço para que a voz saia, e mesmo assim rouca e falha. Chego até a ficar angustiada com o esforço dele ao falar e com o dano que deve causar às suas cordas vocais. Os outros personagens precisam ficar embaixo de um dos três microfones pendurados no teto do cenário.
O palhaço consegue arrancar risadas, mas da outra vez parecia que era mais engraçado – talvez a chuva e o frio tenham intimidado alguns risos. Os mais unânimes acontecem quando o Serelepe – conhecido e conhecedor de vários moradores – brinca e faz troça com alguns deles que estão na platéia.
Palmas finalizam uma hora e meia de espetáculo, acompanhado com maçãs do amor, pipoca, refrigerante e outros atrativos. Os meninos que os vendiam são filhos dos casais do grupo, que mais assistem ao espetáculo do que se preocupam em receber o pagamento ou dar o troco. “Serelepe, o cuiudo de Júlio de Castilhos”, acho, deveria ser censurado para menores de doze anos. A peça apela muitas vezes para o humor pornográfico. Nada muito pesado, mas que podia economizar as crianças. Da mesma forma os tapas na cara (de verdade) e empurra-empurra nas simulações de brigas. Talvez o público merecia também diálogos mais interessantes. Porém, não é isso que se busca lá. Justamente esse tipo de diversão é o que atrai no Serelepe. Um humor sem muito compromisso, que diverte no deboche.
Numa cidade do interior – que já teve cinema (!), o qual foi transformado por um tempo em Igreja Universal e há dois anos aguarda verbas para ser reformado em espaço cultural; em que a feira do livro não teve a apreciação esperada; em que momentos teatrais são raros, organizados por duas ou três professoras que por paixão à arte mobilizam alguns alunos em peças para datas comemorativas; e onde o poder aquisitivo da maioria não oportuniza outras ou mais apreciações artísticas – o Teatro Serelepe terá muita platéia até o final da sua temporada por lá.
-Danuza Facco Matiazzi-
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