quinta-feira, outubro 27, 2005

Literatura (14)

Dos cadernos de anotar a vida.

Uma longa correspondência destinada ao avô que estava morrendo poderia ser apenas um adeus através de lembranças e palavras de carinho. Isso se a neta não fosse uma das melhores escritoras da América Latina. Dessa forma, seria inevitável a transformação de uma carta em obra-prima.

Assim, a partir dessas familiares páginas de despedida, surgiu “A Casa dos Espíritos”. E foi talvez a inspiração de alguns de seus ancestrais, que possibilitou a Isabel Allende criar personagens fortes, complexos, verdadeiros.




A história gira em torno da saga da família do rude e ambicioso Estaban Trueba e da sensitiva e doce Clara, que anota a vida em seus cadernos. A narrativa, com toques de realismo mágico-fantástico, é feita em ciclos. Mas as semelhanças com “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel Garcia Márquez, não param por aí. Ambas as obras são ricas nos detalhes, nas peculiaridades locais e nas afinidades e desavenças dentro de uma mesma família.

Dos Trueba aos Buendia, as mulheres deixam de ser de tinta e tomam vida. Mas, sem tirar o mérito da Úrsula de Garcia Márquez, a diferença das personagens de Isabel Allende está mesmo no fato de serem escritas por uma mulher. Clara, Branca e Alba. De nome e aura transparentes, são elas que tornam a trama forte, intensa e, ao mesmo tempo, leve e mágica.


a autora

A escritora, sobrinha do ex-presidente Salvador Allende, apresenta ainda um painel da história chilena, em um contexto conturbado, que culmina no Golpe de 73. Em um cenário exótico, fantástico e sobrenatural, a família atravessa a história do Chile e também a de seus descendentes que deixam uma de herança bens e espíritos contadas neste livro, cujos trechos arrepiam e nos fazem pensar nos acontecimentos que, ao longo da vida da gente, vão nos tornando mais duros, menos humanos, menos espíritos.

-Thaís Brugnara Rosa-