terça-feira, dezembro 06, 2005

Fotografia

Idéia, idéia repensada, o diafragma e o obturador ajustados, filme escolhido, enquadramento da imagem selecionado, cor, linha, proporções definidas, luz.

Sombras e luzes jogam em campos opostos, o embate acontece dentro de uma pequena caixa, as formas assumem materialidade, o passado restabelece o seu vínculo com o presente e se perpetua para o futuro, uma luta de pura violência: corte, expressão, força, e por fim a prisão eterna.

A vitória nesta disputa fica nas mãos dos que souberam domesticar, domar, sentir a presença de uma boa imagem: o fotógrafo, este sujeito tão simples e tímido que não se cansa de caçar, sim este é o termo certo. Caçar o melhor ângulo, linhas, formas, cor , tema que representem as suas idéias do que seja a vida, o mundo e seus desejos.
Uma medusa que congela, amaldiçoa, mata aquele momento do tempo para eternidade. Uma górgona que invade um curto espaço de tempo para destituir de vida o seu objeto de apreciação, que relega ao limbo aquilo que vê. Um monstro que por seu olhar materializa em pedra o objeto. A fotografia é um imenso devorador de imagens que a tudo que aponta sua fome.

Um Narciso que pelo seu reflexo apaixonou-se, a sua superfície, a fotografia é superfície, não entra em contato com o nosso inconsciente, é apenas a força daquilo sensível, e não o percebido. Não temos a oportunidade de reconhecermos em nossa totalidade, vemos como o Narciso, o reflexo do que pensamos ser as coisas. Não é dada a possibilidade de investigarmos o nosso lado mais profundo, só a superfície. Desse modo, a fotografia apenas dá a máscara pela qual teremos que reconhecer os fatos.

É a regra do pensamento. Cheio de cortes, não conseguimos ter a experiência da totalidade, é apenas a fração, um plano, o objeto escolhido em sua singularidade. É o microcosmo retido em sua essência. É a manifestação do traço, do índice, da parte, o todo não nos é permitido. A fotografia é metonímia, não é metáfora, ela apenas aponta, o reflexo fica por conta dos espelhos.
Uma perspectiva em dimensões do micro, da ausência da compreensão do fato em sua complexidade. É o fenômeno destacado por suas qualidades mais intrínsecas. A fotografia é o ponto que forma a linha, é o traço que se sugere em nosso olhar por sua capacidade de nos instigar.

É a maneira como nos é dada a observação do mundo, é através da fotografia. Ela é apenas sugestão, parte, traço que não é aquilo que vemos, pois senão seria o próprio objeto. É a marca que permite entender, sem ter o objeto presente, mas que mesmo assim carrega em si a presença dele. A fotografia é a ponte que abre o nosso caminho ao fato . A fotografia mantém seus laços com o seu objeto, envolve-se com ele, mas não é ele, e sim a marca que traz a sua capacidade de ser distinto das demais coisas.

A fotografia não é arte, mas a arte que é fotográfica, ou seja, foi através da fotografia que a arte se transformou, libertou-se do perfeccionismo realista.

-Carlos Orellana-

1 Comments:

Blogger Augusto Paim said...

Carlos, se depois desse texto tu ainda ficar dizendo que não sabe escrever, eu desisto: tu é sem noção mesmo!

Tchê, o texto tá muito bom, mas muito bom mesmo! Publicável em qualquer revista sobre fotografia. Por que não oferecer por aí?

Parabéns!

8/12/05  

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