O novo n(d)o velho
E de onde vem a importância de se falar sobre isso? Já recuperados do pequeno susto de percebermos coisas muito 'nossas' serem relegadas ao gueto do antigamente, somos interpelados a adentrar numa outra área que causa profundo temor: liquefazer os nossos conceitos sobre a infância e, também, o que diz respeito às brincadeiras de criança. Sim, é hora de dar um basta no pensamento de que nossas crianças não o são mais porque gostam de usar o computador e teclar com os amigos pela Internet. Não, chega! Tenhamos a ousadia de perceber o pulso do tempo, que chega com suas novidades e novas formas de sociabilidade.
Mas, espere um pouco, não vá tão longe! Calma! Não se liquefaça por completo! O que fazemos aqui não é um apelo à diluição ou à perda de referências - muito pelo contrário, é um chamamento a perceber que o velho e o novo não tecem entre si relações de caráter puramente maquiavélico. Por que temos de teimar em pensar assim?
Agora percebo uma coisa bastante curiosa: ainda bem que os sinais de trânsito não valem para a calçada! Sim, viva a liberdade da calçada! Viva a estripulia que ela acolhe com receptividade, mesmo que se corra o risco de se encanzinar um pouco a vida dos vizinhos... Claro, caso contrário, como é que poderia ainda se ver crianças 'estacionadas' com suas pedrinhas laranjas em punho para marcar ali, naquele solo, os quadrados numerados que levam do inferno ao céu. Ou, também, para fazer corridas e brincar com o bambolê?
Ei, mas elas 'ressuscitaram'? Elas já não são mais defuntas? Não! Nem as brincadeiras, nem nossas crianças. Sim, porque nossas crianças o são verdadeiramente. Tiremos elas da morte em que as introduzimos: percebamos a vivacidade de sua busca pelo novo, pelo diferente, pelo moderno, pelo que vibra, pelo que gira, pelo que pula e pelo que brilha. Mas, também percebamos suas necessidades do que é velho, do que é o mesmo, do que é antigo, do que é calmo, do que é parado, do que fica sentado e do que é fosco.
Claro, aí está: nossos medos podem vir por água abaixo! Percebamos que nós também precisamos de algo muito concreto – ver que entre o velho e o novo nós viemos a ser como que pontes, apontando para os pequenos que os gigabytes e placas GeForce a mais não assim tão importantes. Mas, façamos isso não no ímpeto de colocar como único enlevo digno de ser buscado o que era dos anos mil novecentos e guaraná com rolha... Não! Nossas crianças não vão ser mais crianças sendo as que nós fomos um dia. Nossas crianças serão mais crianças sendo elas mesmas. E isso só acontecerá quando elas se perceberem plenamente livres para viver o que são – mas sempre com um alguém as lembrando de que é necessário se ter coisas a que se enganchar e referenciar.
Então, bem, então aquela lista do início do texto deixa de ser algo que não diz nada, algo que é totalmente alheio à realidade concreta de hoje e passa a ser o que realmente é. Mais do que uma lista para galerias de 'coisas da vovó', tradições e manifestações culturais que permanecem plenamente vivas ainda hoje, chamando as crianças a também terem horas entre si 'ao vivo'. Horas que elas começam a buscar por si mesmas, pois respeitadas na infância a que se filiam, também compreendem que o 'velho' diz algo a elas. Que o 'velho' é importante para que se compreendam a si mesmas. Que o 'velho' não concorre com o novo.
Apenas o ilumina.
Leonardo Meira
3 Comments:
Bravo, Leonardo!
Belo texto resgatando brinquedos e os colocando lado a lado com os "modernosos".
Abraço grande
OK, Leo. Está na hora de eu rever meus conceitos, achando que tudo que é velho é melhor só porque não é novo!
ótimo comentário!
Um texto muito vivaz, muito bem escrito e, o mais importante, com um conteúdo de idéias novas, encadeadas umas nas outras, que nos faz seguir adiante e terminar sabendo que aprendemos algo. Parabéns!
E no fim, os brinquedos de hoje também serão antigos daqui muitas gerações.
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