segunda-feira, agosto 29, 2005

Observações (2)

Um circo.
Um grande espetáculo.
Alguém disse que era o lugar onde escritor virava pop star.
Correto.


São sete e meia, vai começar o espetáculo.
As mulheres já estão aglomeradas em frente aos computadores pra passar os seus crachás (é...lá a coisa é chique. Fica tudo registrado, se você viu a palestra, horário de entrada e saída). Algumas já estão na fila desde as seis e pouco. Estudantes de jornalismo estreando um crachá de imprensa, passam pelo lado da fila e imediatamente são vaiados pela multidão feminina. De repente, o tio dá o sinal da largada: as mulheres enlouquecidas saem em disparada rumo à lona, atropelando umas as outras. Tudo para conseguir o melhor lugar. Sobe Loyola ao palco. Inicia o “show”. A platéia vai a loucura e em coro grita: LINDO!LINDO!
Assim, depois do palco completo, começa o debate. A cada palavra, riso, ou suspiro dos escritores, a platéia bate palma, ri, grita...praticamente surta.
Mas ”surtada” estava ficando eu, com aquela algazarra.

A jornada de literatura de Passo Fundo é território das professoras de literatura. Em maior número talvez as crianças, mas com certeza não com maior entusiasmo.
À primeira vista, a euforia das “profe” até é engraçada, no entanto, quando nenhum escritor consegue concluir uma idéia sem ser interrompido por um grito, isso irrita. E novamente você se sente num circo. Nas quase duas horas em que Ariano Suassuna falou, a cada dois minutos, palmas e mais palmas para ele. Insuportável.
E as discussões diversas vezes perdem o rumo. Quando Lobão instiga a platéia e Frei Betto explica sua visão sobre a crise que o PT enfrenta, a jornada quase se torna um Fórum Social de Passo Fundo.

Sobre o seminário de jornalismo cultural não há muito o que se dizer. Só concluí que o Daniel Piza realmente é o “cara“ do jornalismo cultural e que todos os questionamentos levantados por nós em aula são “calos” na vida desses jornalistas.
É claro, que a jornada tem um papel importante. É um incentivo à leitura, principalmente para as crianças. Abre espaço para discutir o escrever. Além disso, qual o evento que traz um pianista para tocar ao ar livre com o pôr do sol de fundo? Um momento embriagante. Sem comentar o show de encerramento com percussionistas nordestinos.

Porém, não posso deixar de registrar certa decepção que tive com o espetáculo que se fez aos meus olhos. A discussão, a troca de idéias e o conteúdo estavam em baixa. Só mesmo a “carinha” do meigo Veríssimo para encerrar o espetáculo com chave-de-ouro e me deixar com vontade de mais

- Danusa Ciochetta-
Por um erro de datas para se mandar os textos, o que era para ser atualizado ontem vai ser hoje, e o que era pra hoje, também!
Mas primeiro o de ontem.

Teatro (1)

A cultura gaúcha numa releitura teatral

Um espetáculo encantador. Assim eu, o comentário de alguns e os olhares de todo o público expressaram o que é o Timbre de Galo. A peça do grupo Viramundos – apresentada na tarde de quinta-feira no campus da UPF – além de provocar muitas risadas, desperta de um jeito caricaturado, por certas vezes até exagerado, a identidade cultural gaúcha. Falo da que se vê nos CTGs e outras instituições do gênero que promovem a imagem do gaúcho forte e destemido, herói e apaixonado pela sua prenda, e desta a mulher da "lida" mas que não perde seu "charme" e paixão pelo seu peão.

O espetáculo é uma adaptação da obra de João Simões Lopes Neto – Contos gauchescos e lendas do sul. Por isso, tem o "tal de Blau Nunes" como personagem principal, contador de causos, conquistador da prenda, temido pelos inimigos, herói de guerra – e mentiroso, claro.




Os 50 minutos da peça giram em torno da procura pelo tal Blau Nunes. A adaptação sugere que ele anda perdido pelos pampas. Para encontrá- lo, a história dele é relembrada e diferentes atores o interpretam nos diversos momentos da vida de Blau. As bombachas estilizadas, as cores vibrantes, os vestidos das prendas – curtos, retalhados, decotados – longe de se parecerem com os tradicionais, pernas de pau, cavalos de arame, maquiagens fortes, contribuem na construção de um cenário pitoresco e muito diferente do que em geral se vê.

Achei até que a imagem montada pelo Viramundos poderia irritar os tradicionalistas mais fiéis. Falei com uma menina de 16 anos, que participa dum CTG de Passo Fundo. Ela adorou a peça e diz que se identificou com o que foi apresentado. "Eles (Viramundos) dão valor ao que muita gente não dá, que é a cultura gaúcha". O diretor de produção do grupo, Guto Pasini, disse que os tradicionalistas "geralmente são os que mais gostam" da proposta.

Depois de muita música (os atores cantam e tocam gaita, castanholas, violão, tambores), dança, poesias, causos e risadas, o fim (posso contar?) sugere que o Blau está em todos os que estão ali. "A cada história contada, a cada música tocada, aí estará Blau Nunes, voltando uma vez mais na vida, trazendo luz para a memória e estrela para a imaginação."

Eu adorei. Ri e me arrepiei muitas vezes. Tudo encanta. Sem falar na proposta do Viramundos, que é rodar o país num ônibus e fazer dele os palco para esta arte tão encantadora que é o teatro.

-Danuza Facco Mattiazzi-

domingo, agosto 28, 2005

Evento.(1)

O fim de uma jornada, o começo de outra


Luis Fernando Veríssimo andando pra lá e pra cá, bonachão, tal qual a sua caricatura de argila. Leonardo Boff se equilibrando numa bengala, que bem poderia ser um sabre de luz. O Lobão dizendo impropérios para a Vovozinha, a Chapeuzinho Vermelho e o Lenhador, sem nenhum pudor. E, no meio destes, uma ilustre desconhecida para o grande público : Tânia Rösing, a coordenadora geral da 11º Jornada Nacional de Literatura, a coordenadora de todas as jornadas

Tânia conseguiu uma façanha que poucos achariam possível: tornou Passo Fundo (RS), sua cidade natal, na qual mora até hoje, na sede do maior evento literário do Brasil. Em 24 anos, o que era para ser um encontro regional acabou se transformando num congresso literário que reuniu este ano autores da Itália, de Portugal e da Noruega, dentre outros. A Jornada "Nacional" de Literatura conta inclusive com o apoio do Parlamento Internacional dos Escritores.


A preparação para a Jornada começa 18 meses antes. Até o fim de 2005, será terminada a etapa de avaliação e entrega de relatórios do evento que ocorreu entre os dias 22 e 26 de agosto. Em janeiro de 2006, Tânia recomeça o trabalho para a organização da 12ª Jornada Nacional de Literatura, que vai ocorrer em 2007.




Enquanto isso, em torno de 12 mil crianças e jovens de Passo Fundo vão sendo incentivados a ler, em função da preparação que ocorre nas escolas. Tânia diz que é por isso que organiza a jornada: definiu que seu projeto de vida é incentivar a leitura. Na Universidade de Passo Fundo (UPF), Tânia desenvolve um projeto de linguagens multimodais, onde ambienta as crianças a circularem pelos diferentes tipos de texto: teatro, música, internet e literatura, dentre outros. O encontro debaixo do famoso lonão, portanto, é o ápice desse movimento de incentivo a leitura, que não pára .

Graças ao trabalho de Tânia, no futuro os novos leitores talvez sejam capazes de ler este texto até o fim.

- Augusto Machado Paim -
Cinema. (4)

Made for TV: O poder da mídia

"O poder da mídia", o título é muito bom mas o filme é muito ruim. À primeira vista pode parecer uma ótima crítica aos meios comunicacionais, um toque na ferida daqueles que não desejam que pensemos os produtos que consumimos diariamente. Poderiam ser os melhores 99 minutos já produzidos, se levasse os espectadores a refletir sobre os males que uma cobertura midiática mal feita pode produzir, que o uso de fontes anônimas pode ser comprometedor, poderia ser um filme que
inspirasse as pessoas a observar a maneira como as ideologias são passadas, os imaginários construídos, poderia ser muita coisa um filme com esse título, poderia ser muito mais, se ele não fosse absolutamente medíocre.

Ruim pela simples falta de conteúdo e a fraca qualidade de interpretação dos atores, com suas pronúncias sofríveis, assim como as interpretações frias e sem expressividade. É quase impossível ficar impassível a tantos erros de composição e diálogos que, de tão mal elaborados, só podem ser resultado de pouca pesquisa e elaboração. É quase impossível ficar ileso a um filme que poderia ter produzido tanto, mas que destruiu qualquer possibilidade de gerar qualquer outro sentimento mais nobre que a indignação e o escárnio. Em meio a perseguições, injeções na aorta das vítimas, copos envenenados e explosões, desenrola-se uma trama inconsistente, definida por uma das últimas frases do protagonista: "No fim, vocês recebem o jornalismo que merecem". Um desperdício de tempo e dinheiro. Quem ainda não acreditar, pode ter a ingrata oportunidade de conferir com seus próprios olhos. Mas conforme lição do próprio filme, tenha cuidado: "Não acredite em nada do ouve e acredite só na metade do que vê".


Titulo Original: Crusader (2004)
Gênero: Suspense
Direção: Bryan Goeres
Elenco: Andrew McCarthy, Bo Derek, Michael York,
Richard Tyson, Ana Alvar



- Cláudia Kessler -

sábado, agosto 27, 2005

Por uma pequena falha de comunicação, acabei não colocando no ar o post do Carlos. Aí vai ele.

Literatura (3).

O trecho do melhor conto desta escritora que poucos conhecem. Katherine Mansfield é a senhora absoluta da introspecção feminina, pois saibam ela é a única escritora que a própria Clarice Lispector disse sofreu influência. E a Virginia Woolf sentia inveja dessa neozelandesa fabulosa.



a autora



Felicidade
(Bliss)¹

Katherine Mansfield

Embora Bertha Young já tivesse trinta anos, ainda havia momentos como aquele em que ela queria correr, ao invés de caminhar, executar passos de dança subindo e descendo da calçada, rolar um aro, atirar alguma coisa para cima e apanhá-la novamente, ou ficar quieta e rir de nada: rir, simplesmente.

O que pode alguém fazer quando tem trinta anos e, virando a esquina de repente, é tomado por um sentimento de absoluta felicidade — felicidade absoluta! — como se tivesse engolido um brilhante pedaço daquele sol da tardinha e ele estivesse queimando o peito, irradiando um pequeno chuveiro de chispas para dentro de cada partícula do corpo, para cada ponta de dedo?

Não há meio de expressar isso sem parecer "bêbado e desvairado?" Ah! como a civilização é idiota! Para que termos um corpo, se somos obrigados a mantê-lo encerrado em uma caixa, como se fosse um violino raro, muito raro?

- Carlos Orellana -

sexta-feira, agosto 26, 2005

Cinema.(3)

As Cinzas de Ângela

Para mim, os melhores filmes são os baseados em histórias reais. Seja do gênero que for. Além da emoção natural que o roteiro cinematográfico proporciona, há uma dose a mais de adrenalina por saber que as coisas foram mais ou menos assim mesmo. Com As Cinzas de Ângela não é diferente. O que poderia ser só mais uma história de menino pobre que venceu as dificuldades da vida, ganha magia e dramaticidade acentuada por causa daquela frase logo no início, enquanto ainda estamos nos ajeitando no sofá: "Baseado em fatos reais".

As Cinzas de Ângela, dirigido por Alan Parker (Evita) em 1999, foi baseado no livro homônimo e auto-biografico (Editora Objetiva) de Frank McCourt, o qual conquistou o prêmio Pulitzer de Biografia de 1996. O drama com pitadas de humor recebeu uma indicação ao Oscar e outra ao Globo de Ouro de Melhor Trilha Sonora. No elenco, destaque para Emily Watson (O Lutador, Dragão Vermelho).



Quando todos estão indo tentar a sorte na América, a família de Frank decide voltar de lá para a Irlanda e fixar residência na cidade paupérrima de Limerick, durante os anos 30. Cresce no pequeno Frank o desejo de voltar um dia para Nova York. Para superar a pobreza, percebe muito cedo que só pode contar com seu esforço próprio e desenvolve uma personalidade perspicaz para driblar as adversidades.

McCourt, que estreou na literatura aos 66 anos contando sua infância, narra sem mágoas a miséria de irlandês católico e as humilhações pelas quais passou junto da mãe e dos quatro irmãos menores. O pai, um bêbado que não parava em nenhum emprego, havia abandonado a família quando os filhos eram pequenos. Frank sobrevive trabalhando desde criança e, aos 19 anos, consegue realizar o sonho de comprar uma passagem de navio para Nova York.

A maior parte das tomadas foram realizadas em Dublin. O tom azulado da fotografia da maioria das cenas permite imaginar o frio e a umidade de Limerick, carente principalmente da generosidade humana.

- Sabrina Siqueira -

quarta-feira, agosto 24, 2005

Observações (1)

Poliglotismo Cultural ou como "falar a língua" das diferentes tribos

Estava eu condensando as idéias de Gilberto Velho e Viveiros de Castro sobre uma visão antropológica de Cultura, para colaborar na elaboração do "Verbete" , quando percebi que a idéia principal vinha, de certo modo, de encontro a uma questão discutida em aula: como tornar a cultura (literatura, música, artes, etc) acessível e agradável ao grande público (o que Adorno e Horkimer chamam de massa)? Se cada cultura é um universo em si mesmo, se cada homem está penetrado por ele mesmo em seus atos e pensamentos, como pode um observador sair de si, colocar-se no lugar do outro e retornar? Então decidi pesquisar e aprofundar o tema. Através de algumas indicações de leitura do professor Alberto Quintana, cheguei aos seguintes resultados:

Pode-se supor uma capacidade inata de efetuação de uma redução fenomenológica, que permita ao observador "esquecer" suas determinações histórico-culturais em uma espécie de "altruísmo intelectual".

Outra possibilidade desse acesso ao outro pode ser fundamentada na natureza humana, pois a antropologia prega a universalidade dos mecanismos básicos da mente humana, dos quais derivam as diversas culturas (a diversidade cultural seria uma variação de um mesmo repertório). Desse modo, aceder ao outro seria possível através da realização de um esforço para estabelecer a transformação relativa (diminuir distância) de duas culturas, a partir de um mesmo repertório (Levi-Strauss).



Mesmo que os antropólogos afirmem que " sim! É possível que nos coloquemos no lugar de nosso público para levar a esse a cultura de forma acessível" , eu me pergunto até que ponto essa afirmação é verdadeira. O que vocês pensam a respeito???

- Ciro Eduardo Oliveira -

segunda-feira, agosto 22, 2005

Literatura (2).

Corrupção, chantagem, denúncias contra os assessores do Presidente da República, políticos reclamando dos jornalistas. E a imprensa, por sua vez, trazendo, a cada dia, novas denúncias sobre a crise política. Aliás, as notícias são tantas que quem não lê o jornal do dia fica até perdido. A cada capítulo, um novo envolvido, inclusive aqueles cujos nomes eram até sinônimo de honestidade. Mas esses políticos são tão atrapalhados que deixam furos, muitos deles até inacreditáveis.


ESSES HOMENS DOS PRESIDENTES

Não, por incrível que pareça, não estou falando do Governo Lula, mas de uma série de fatos muito parecidos com os que estão desencadeando a nossa crise política atual. Os repórteres Carl Bernstein e Bob Woodward relatam no livro “Todos os Homens do Presidente”, da Francisco Alves Editora, a cobertura que fizeram, pelo Washington Post, no chamado Escândalo Watergate, que ocorreu no governo do presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, entre 1972 e 1973.


Imagem do filme "Todos os homens do Presidente", de Alan J. Pakula, de 76.O roteiro do filme foi baseado no livro.

Tudo começa com um telefone que toca na madrugada, tirando Woodward da cama para cobrir um arrombamento na sede do Partido Democrata e, no desenrolar da história, diversas falcatruas vão aparecendo. A maior parte delas reveladas ao público pelo rigoroso trabalho desses repórteres, que foram muitas vezes ameaçados, desacreditados e ridicularizados na época.
Além de todas as dificuldades, chamam a atenção o trabalho de apuração da dupla, as reuniões com os editores, a relação com as fontes (quem nunca ouviu falarem no famoso e, até pouco tempo, anônimo Garganta Profunda, que, neste caso, não se trata de um filme pornô), até mesmo os erros, enfim, o clima de uma Redação inspirando lições de jornalismo. Inclusive aquelas que vemos nas aulas, como o fato de ser melhor procurar os entrevistados em suas residências, “onde se sentiriam mais à vontade para falar” ou as frases do Editor-Executivo do Post, Benjamin Bradlee, denotando o caráter factual do que é notícia: “A palavra ontem irá para os livros de História, não para um jornal”.

Semelhanças à parte com o contexto brasileiro, o papel da imprensa deles foi muito mais decisivo do que o da nossa. Enquanto quem larga as “bombas” aqui são os próprios políticos, lá eram os repórteres Bernstein e Woodward.Era senso comum, por exemplo, que o presidente não sabia de nada, até que esses jornalistas provaram o contrário.

Enquanto isso, vamos esperando os escândalos nossos de cada dia. Trazidos não pelos nossos jornalistas, mas talvez por um político que, sob pressão ou buscando uma redução de pena, nos traga notícias ainda mais bombásticas.


- Thaís Brugnara Rosa -

domingo, agosto 21, 2005

Cinema (2)


“O Carteiro e o Poeta” (Il Postino)




- Don Pablo, bom dia! Quero falar com o senhor.
- Deve ser muito importante. Está bufando como um cavalo.
- É muito importante. Eu me apaixonei.
- Nada muito sério. Para isso tem remédio.
- Não! Remédio, não! Não quero remédio, quero ficar doente. Estou apaixonado! Apaixonado!
- Por quem está apaixonado?
- Ela se chama Beatrice.


Mario Ruoppolo, morador de uma remota ilha da Itália, é órfão de mãe, desempregado e filho de um pescador analfabeto. Esse homem resolve ser entregador de cartas e recebe uma insólita e exclusiva missão do gerente dos correios. Ruoppolo tem de entregar a correspondência ao célebre poeta chileno Pablo Neruda, exilado em uma casa no alto de um monte, próximo à vila de pescadores onde mora.

Que relação poderia se firmar entre um ilustre poeta e um pobre diabo que não tem água encanada para lavar as mãos?

Arquejando sobre o guidom da bicicleta, usando um quepe que lhe parecia uma coroa de rei, o protagonista vê, na tarefa, a oportunidade de crescer como pessoa.

O intelectual comunista parece entender o desejo daquele homem humilde e lhe dedica atenção. Neruda ajuda Mario a conquistar sua amada e assim o carteiro e o poeta se tornam amigos.

A narrativa segue emocionante, mas o sentido que o filme construiu para mim é o da luta contra a ignorância. A tia da mulher amada, que satanizou a poesia de Neruda e as intenções de Mario para com Beatrice, define a extensão das posses do carteiro:

- É um homem cujo único capital são os fungos nos dedos dos pés.

(A tia rabugenta esquecera da bicicleta que Mário usava para entregar a correspondência de Neruda).

Mas a história se encarrega de mostrar o equívoco da velha. Mario transforma sua maneira de ver o mundo a partir das palavras, das metáforas, e da poesia de seu amigo. A grandeza de espírito lhe enriquece a vida.

Mario Ruoppolo me fez lembrar de nossas discussões em aula. Uma pessoa humilde, sem condições básicas de sobrevivência, sem escolaridade, pode se interessar em apreciar a arte? A literatura e a música podem fazer parte do cotidiano daqueles que não sabem se comerão amanhã? “O Carteiro e o Poeta” argumenta que sim. Mario não aceitou que a condição de pobre determinasse sua vida à ignorância. Mal sabia ler até conhecer Neruda, mas acreditou que a poesia poderia ajuda-lo a resolver um problema de sua vida pessoal: Conquistar a mulher por quem se apaixonou.
Com a poesia, o carteiro sentiu sua vida ter mais sentido. Seu coração e sua alma alçaram vôo, apesar de continuar pobre.


- Meu caro poeta, você me meteu nessa confusão e agora vai me tirar dela. Você me deu livros para ler. Ensinou-me a usar a língua não só para lamber selos. É sua culpa, eu estar apaixonado.


O filme terminou e levei as costas dos dedos até os cantos dos olhos na tarde cinzenta de domingo.

Bonito filme!


-Gustavo Hennemann-
De volta aos trabalhos.

Internet(1). Música(2).

À procura do quase inexistente

Eu estava procurando algo na Internet, que não fosse simplesmente “cultura inútil”. Em meio a tanto lixo, encontrei uma revista de cultura pop, a Rabisco, no site www.rabisco.com.br. A equipe da Rabisco fez a sua primeira atualização, que é quinzenal, em agosto de 2002. Desde esse ano, ela traz para os seus leitores entrevistas, críticas e comentários dos mais diversos assuntos:

“Infelizmente, o “modismo” lançado pelos norte-americanos do superstar bonito, rico e famoso tomou conta de todo o mundo de tal forma que o número de clones do Creed que surgem todos os dias não abre espaço para aqueles que realmente fazem da música arte. Essa glamorização em cima do corpo perfeito, da vida privada dos famosos, das superproduções em shows, videoclipes e CDs leva milhões de alienados a seguirem esse tipo de comportamento fútil.”
(Trecho do texto Memória Futura, escrito por Marina Castellan Sinhorini, na edição de 20 de outubro a 2 de novembro de 2003)

Grandes nomes como Elis Regina, Nelson Rodrigues, Tom Jobim, Martha Medeiros, se unem a outros ainda poucos conhecidos, resultando em belíssimos textos. Para quem adora literatura, jornalismo, música, teatro, cinema de qualidade, ou qualquer outra coisa que possua valor cultural, vale a pena conferir esse raro mundo virtual.

-Francine Flach-

quinta-feira, agosto 18, 2005

Cinema(1)

Sideways - Entre umas e outras



- Comédia “inteligente”.

Foi assim que o cara da locadora definiu o filme quando perguntei a opinião dele sobre Sideways. Não sei se minha inteligência não foi o suficiente, mas, para mim, a comédia não foi o mais importante neste vídeo.
Sideways conseguiu me fazer rir, sim, mas foi além disso.
Me fez pensar sobre o “contrato” que firmamos quando resolvemos aceitar alguém como “melhor amigo”, o que, de certo modo, nos obriga a suportá-lo em seus piores momentos de mau-humor ou depressão.

Mostra a nós, mulheres, que muitos dos homens são mesmo “cachorros”. Mas que eles podem se arrepender... O que não deve evitar, no entanto, que fiquemos com um pé atrás se nosso futuro marido resolver viajar sem a nossa companhia uma semana antes do casamento.
Revela, em uma seqüência de cenas que nos faz querer entrar na TV e chacoalhar Miles, um dos protagonistas, que a insegurança em início de relacionamentos atinge a todos, independentemente da idade, da experiência ou do sexo.
O gênero do filme é, realmente, comédia. Mas como bem descreveu o crítico da Reuters Kirk Honeycutt, no caso de Sideways, “As risadas nascem da dor, tanto emocional quanto física. Por um lado, o sofrimento não é nada engraçado - mas por outro é divertidíssimo”.

Para quem não viu o filme:

Sinopse
O filme mostra dois amigos de meia-idade em um tour pela região dos vinhos californianos. Tendo belas paisagens como cenário, Miles, um escritor fracassado interpretado por Paul Giamatti, e o ator de televisão Jack (Thomas Haden) saem numa espécie de despedida de solteiro para Jack. Miles é um depressivo e amargurado degustador de vinhos; Jack quer sentir o "último gosto da liberdade". Entre vinhos, mulheres, risos e discussões, o passeio dá motivos para os dois questionarem o rumo de suas vidas.

Direção: Alexander Payne
Elenco: Paul Giamatti (Miles), Thomas Haden Church (Jack), Virginia Madsen (Maya), Sandra Oh (Stephanie)

Sideways concorreu a 5 Oscars em 2005 (melhor filme, roteiro adaptado, diretor (Alexander Payne), ator coadjuvante (Thomas Haden Church) e atriz coadjuvante (Virginia Madsen), ganhando a estatueta de Melhor Roteiro Adaptado.

Site Oficial
http://www.foxsearchlight.com/sideways


- Luciane Treulieb-

quarta-feira, agosto 17, 2005

Literatura (1).

“Ainda era confuso o estado das coisas do mundo, no tempo remoto em que esta história se passa. Não era raro defrontar-se com nomes, pensamentos, formas e instituições a que não correspondia nada de existente. E, por outro lado, o mundo pululava de objetos e faculdades e pessoas que não possuíam nome nem distinção do restante. Era uma época em que a vontade e a obstinação de existir, de deixar marcas, de provocar atrito com tudo aquilo que existe, não era inteiramente usada, dado que muitos não faziam nada com isso — por miséria ou ignorância ou porque tudo dava certo para eles do mesmo jeito — e assim uma certa quantidade andava perdida no vazio.” (p. 35)

O trecho acima do livro “O cavaleiro inexistente” de Italo Calvino consegue fazer sentido mesmo sendo separado de sua obra. Ele consegue resumir o que nossa sociedade pós-moderna está passando e foi transcrito aqui com uma intenção ousada: pensar um pouco mais sobre o presente.
Para quem quiser refletir mais, ou somente ler um bom livro, vale a pena ler toda a história. Um cavaleiro dos tempos de Carlos Magno que tem consciência e voz, mas não existe - alegoria do homem atual? - é o argumento de mais um bom livro de Calvino. A história faz parte da trilogia “Os nossos antepassados” que faz uma releitura de personagens da literatura medieval tratando de questões da atualidade. Também fazem parte desta trilogia os livros “O Visconde Partido ao Meio” e “O Barão nas Árvores”.

O Cavaleiro Inexistente
Italo Calvino
Cia das Letras


- Édina Girardi -

terça-feira, agosto 16, 2005

Primeira atualização.
Música (1)

Grant Lee Buffalo, Fuzzy.




O Grant Lee Buffalo foi uma de muitas bandas surgidas na virada dos anos 80 para os 90 em Los Angeles, nos Estados Unidos. Logo no início dos anos 90, mais precisamente em 91, se beneficiou do "boom" que o rock alternativo deu graças ao enorme sucesso de “Nevermind”, do Nirvana , e assim ganhou um espaço na mídia que alguns anos antes não conseguiria ter . Não por falta de qualidade e sim por falta de interesse das pessoas que "ditam" os gostos musicais.

Desde o início, foi difícil rotular a banda. Banda de folk rock (rock calmo com letras "inteligentes", geralmente acústico) era o mais próximo, mas o Grant Lee Buffalo sempre teve outras características vindas do grunge e suas guitarras barulhentas, do country , da soul music, do punk, da psicodelia sessentista, o que fazia o som deles ser ainda mais original e especial.

O primeiro álbum da banda, Fuzzy, é o grande exemplo disso. Grant Lee Philips, o guitarrista/compositor/vocalista , cria letras e melodias ricas em imagens, climas, resgatando aquela velha América mitológica dos cowboys solitários, das estradas longas pelo deserto escuro, das lendas do Sul escravista, dos fantasmas que apaixonam, dos cenários empoeirados onde os casais se encontram escondidos. Sejam levadas pelo violão, pela guitarra ou pelo piano (daqueles típicos dos saloons americanos) , as melodias parecem feitas para a trilha sonora de um épico de amor que nunca foi filmado.

* Fuzzy começa muito bem com The Shining Hour que conta uma história de versos bastante, digamos, surreais. É como se fosse um homem sentado numa mesa de saloon no Velho Oeste bebendo um whisky , acompanhado de seus comparsas, contando uma história que se passou com um amigo dele, citando personagens da história americana e que , talvez por excesso de bebida, chega-se a um final incompreensível. Levado por um piano, a música nos transporta para o saloon, como se fossemos aquele que está sentado na mesa ao lado só escutando a história.

* Júpiter and Teardrop, a faixa 2, é uma linda e emocionante balada que conta a história de um amor impossível entre um artista mambembe e uma ex-presidiária.

* Fuzzy, a terceira, é a mais “climática”. Nela, estamos no banco de trás do carro andando por uma estrada deserta, à noite, com o vocalista dirigindo e sua amada ao lado, e ele está se desculpando, dizendo que mentiu pra ela, que está “fuzzy” (confuso), que o mundo é pequeno demais para os dois, e então eles param para comer e tentar aplacar o medo de não ficarem mais juntos, e assim vai...É como um filme, contar o final estraga.

* The Hook é uma conversa sobre desilusão entre dois amigos, balada levada no violão com a voz de Grant bastante límpida e potente.

O álbum segue emocionando e criando belas histórias com Stars’n’Stripes , que é uma conversa entre um casal comparando o amor entre eles no cenário de uma noite estrelada em um ferro velho antigo com o de uma grande cidade, e Dixie Drugstore, que conta uma bonita história de amor entre um casal de fantasmas no sul dos Estados Unidos, em meio a vocais dizendo “jambalaya”, típica saudação sulista, cantado por Grant em um falsete que não deve nada às divas da Soul Music.

Depois de Fuzzy, a banda lançou ainda mais 3 albuns, nenhum com a boa repercussão e a qualidade de Fuzzy, apesar do segundo, Mighty Joe Moon, de 94, chegar perto . Em 98, a banda encerrou suas atividades e Grant Lee Philips começou uma carreira solo bem sucedida que dura até hoje.

Fuzzy é um álbum para se escutar como se lê um livro, prestando atenção em cada frase cantada pela bela voz de Grant Lee Philips, nas melodias criadas pela união do quarteto guitarra, baixo, bateria e piano. Depois, as belas imagens evocadas pela junção palavra/som vão surgindo, aos poucos, e o filme vai ganhando consistência em nossos pensamentos. De repente, nem entedemos o porquê de estarmos sentado num saloon no meio do nada tomando o nosso whisky acompanhado de figuras lendárias da História americana , ou de estarmos numa estrada desconhecida e vazia indo para sabe se lá onde, ou mesmo andando por uma cidade que nunca pensamos que ainda existia, observando fantasmas passearem pelas calçadas de mão dadas e casais se beijando no canto escuro atrás da casa da esquina...

Músicas:
1 – The Shining Hour
2 – Júpiter and Teardrop
3 – Fuzzy
4 – Wish you well
5 – The Hook
6 – Soft Wolf Tread
7 - Stars N' Stripes
8 – Dixie Drug Store
9 – América Snoring
10 – Grace
11 – You Just Have to be Crazy

Banda:
Grant Lee Philips: vocal, guitarra, violão
Paul Kimble: baixo, piano, backing vocals
Joey Peters : percussão, bateria

- Leonardo F. Foletto -

domingo, agosto 14, 2005

Aqui está o blog da disciplina de Jornalismo Cultural do curso de Comunicação Social - hab. Jornalismo da UFSM, feito pelos alunos do 6º semestre.
Segunda feira, dia 15/08, começam os posts. Até amanhã.