quinta-feira, outubro 27, 2005

Literatura (14)

Dos cadernos de anotar a vida.

Uma longa correspondência destinada ao avô que estava morrendo poderia ser apenas um adeus através de lembranças e palavras de carinho. Isso se a neta não fosse uma das melhores escritoras da América Latina. Dessa forma, seria inevitável a transformação de uma carta em obra-prima.

Assim, a partir dessas familiares páginas de despedida, surgiu “A Casa dos Espíritos”. E foi talvez a inspiração de alguns de seus ancestrais, que possibilitou a Isabel Allende criar personagens fortes, complexos, verdadeiros.




A história gira em torno da saga da família do rude e ambicioso Estaban Trueba e da sensitiva e doce Clara, que anota a vida em seus cadernos. A narrativa, com toques de realismo mágico-fantástico, é feita em ciclos. Mas as semelhanças com “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel Garcia Márquez, não param por aí. Ambas as obras são ricas nos detalhes, nas peculiaridades locais e nas afinidades e desavenças dentro de uma mesma família.

Dos Trueba aos Buendia, as mulheres deixam de ser de tinta e tomam vida. Mas, sem tirar o mérito da Úrsula de Garcia Márquez, a diferença das personagens de Isabel Allende está mesmo no fato de serem escritas por uma mulher. Clara, Branca e Alba. De nome e aura transparentes, são elas que tornam a trama forte, intensa e, ao mesmo tempo, leve e mágica.


a autora

A escritora, sobrinha do ex-presidente Salvador Allende, apresenta ainda um painel da história chilena, em um contexto conturbado, que culmina no Golpe de 73. Em um cenário exótico, fantástico e sobrenatural, a família atravessa a história do Chile e também a de seus descendentes que deixam uma de herança bens e espíritos contadas neste livro, cujos trechos arrepiam e nos fazem pensar nos acontecimentos que, ao longo da vida da gente, vão nos tornando mais duros, menos humanos, menos espíritos.

-Thaís Brugnara Rosa-

terça-feira, outubro 25, 2005

Período fértil para a cultura na capital






Porto Alegre, outubro de 2005. A capital gaúcha, notadamente reconhecida pela diversidade de opções culturais que oferece, está no que pode ser considerado o seu apogeu cultural em 2005: a 5a Bienal do Mercosul em pleno andamento em nove pontos da cidade e a Feira do Livro prestes a começar.

As bancas da 51a Feira do Livro já estão sendo montadas na Praça da Alfândega, para que tudo esteja pronto até o início da Feira, que acontece de 28 de outubro a 15 de novembro. Este ano, o Ceará será o estado e a Itália o país homenageados. O patrono da Feira é Frei Rovílio Costa, autor de vários livros sobre a Imigração Italiana no Rio Grande do Sul.

No centro da cidade, na mesma região em que a Feira do Livro está sendo preparada, a Bienal do Mercosul se revela em três locais: o MARGS, o Santander Cultural e o Memorial do Rio Grande do Sul. Além desses, a Bienal ocupa o Museu Hipólito José da Costa, a Usina do Gasômetro, o Cais do Porto, o Largo Glênio Peres, o Paço dos Açorianos e a Orla do Guaíba. Até o dia 4 de dezembro, de terça a domingo das 9h às 21h, é possível visitar as exposições gratuitamente.

No site oficial da Bienal (http://www.bienalmercosul.art.br), é possível encontrar um panorama geral sobre as exposições: "o tema central desta edição será a multiplicidade das experiências contemporâneas de espaço materializadas em obras de arte: desde o espaço subjetivo - construído pelo corpo e no corpo, passando pelo espaço dominante, aquele da cidade, até as novas noções de espaço impostas pela cultura digital".

O homenageado deste ano da Bienal do Mercosul é Amilcar de Castro (1920-2002), um dos maiores escultores da segunda metade do século passado. Esculturas, pinturas e exposição biográfica do artista brasileiro podem ser conferidas em diferentes locais ocupados pela Bienal




É preciso tempo e disposição para apreciar a arte oferecida pela Bienal. Nada de correria, principalmente para pessoas que entendem do assunto (o que definitivamente não é o meu caso), e que gostam de ficar analisando cada detalhe das obras. No entanto, por mais que não se entenda muito bem o que se vê, é uma experiência interessante- e que eu recomendo a todos- passear por entre aquelas obras de arte, e, por que não, aproveitar para se fascinar com o pôr-do-sol do Guaíba ao fim da tarde.

-Luciane Treulieb-

domingo, outubro 23, 2005

Televisão (1)

Recorte Cultural

Em discussão de estudante de jornalismo, vez ou outra, sempre afirma-se que a TV brasileira não dá espaço para a cultura. O Recorte Cultural veio para mostrar o contrário. É um programa que se autodenomina revista cultural que consegue não só falar de cultura, mas aprofundar questões também. Como pintar um poema? Porque compor um filme?

Além do mais, possui uma narrativa bem diferente - que como o próprio nome diz - recorta a realidade e junta sem uma linha de costura, ao aleatório. Desconstrói não só a forma tradicional de se fazer TV como também a própria cultura discutida no programa. Ver um entrevistador dar um grito porque se enrolou na pergunta, ou o silêncio entre entrevistador e entrevistado não são coisas comuns na TV. Mas isso acontece seguidamente no Recorte Cultural. E ainda de propósito, pois quem edita o programa opta por isso para mostrar, palpite meu, a própria reconstrução do fazer TV.



E isso pode ser constatado não só pela estrutura fragmentada do programa. Pelo uso de movimentos ousados de câmera, temas pouco citados na mídia. E por tantos outros elementos como frases que aparecem do nada, trechos de clipes e filmes sem ligação nenhuma com o “todo”. E que estão aí para nos provocar estranhamento e reflexão.

A estrutura, porém, é sempre guiada por um fio de trechos de entrevistas com artistas. Uma com convidados no estúdio - quadro chamado debatedeira. E outra na casa, estúdio ou atelier do entrevistado, que nos levam não só a conhecê-lo, mas também seu ambiente de trabalho. As conversas podem ser com figuras conhecidas como Ferreira Gullar, Cacá Diegues e Taís Araújo, mas também ilustres desconhecidos produtores de cultura e entretenimento. Os trechos das duas entrevistas – estúdio e residência - são entrecortados por diversos outros quadros não fixos e tantos outros elementos do programa.

O Recorte Cultural é produção da TVE Rio de Janeiro e é exibido na TVE gaúcha de segunda à sexta, às 20h30 com horário alternativo à meia noite e compacto no sábado as 23h30.

Sito Eletrônico: http://www.tvebrasil.com.br/recortecultural

-Édina Girardi-

sábado, outubro 22, 2005

Futebol também é cultura (1)

Crônica


O êxtase final


Fonte: Site do Inter (www.internacional.com.br)


Sempre é difícil para alguém que ama futebol entender o porquê de certas pessoas não gostarem de futebol. Também deve ser difícil - para os que não gostam – entender o porquê de tamanha paixão por uma coisa tão , digamos, prosaica .Mas digo que deve ser difícil, porque não sei; sou dos mais apaixonados amantes do futebol, dos que não entendem - mas respeitam, ao menos – como alguém pode não gostar de futebol. Paixão, amor, gosto, cada um tem o seu. Mas impossível não deixar um recado para os que não gostam: vocês não sabem o que estão perdendo!

Quarta-feira, estádio Beira-Rio, em Porto Alegre. Jogam Inter x Boca Juniors, da Argentina, pela Copa Sul-Americana.O Boca entalado na garganta dos colorados, que , masoquistas, não se cansam de lembrar da desclassificação na mesma copa pelo mesmo Boca no ano passado, num jogo que o Inter perdeu de virada por 4x2. E a virada, no futebol, é cruel - amargura, entristece, faz lacrimejar os perdedores e , pior de tudo, traz sempre a possibilidade do “Se...” o que prolonga a dor da derrota por muito mais tempo. Novamente contra o Boca Juniors, o grande time da Argentina, o dono do caldeirão sempre fervente em forma de estádio chamado La Bombonera, mais temido e admirado que qualquer outro local de prática esportiva na América Latina.


Jogo contra time argentino sempre é difícil, estudado, brigado, catimbado, geralmente decidido no detalhe , no descuido mínimo do adversário E esse não era diferente; o Boca marcando bem, a defesa parando os atacantes colorados, que quando conseguiam escapar não davam perigo ao goleiro Abbondazieri, titular da seleção argentina. Segundo tempo começa, o jogo continua o mesmo, dessa vez com um o Boca ameaçando mais nos contra ataques. Passa os 30 minutos e o cansaço dos dois times passa a criar brechas nas defesas. Falta para o Inter, bola na área, Fernandão - o grande , literalmente, ídolo colorado – cabeceia pertinho do gol, mas por cima. Falta na entrada da área do Inter, 43 minutos, Delgado cobra com jeito, por cima da barreira, no canto direito do goleiro colorado Clemer, que dá um salto e joga a bola para escanteio, numa linda defesa, estupenda até.

O futebol, em sua magia que desperta as mais variadas formas de um único sentimento chamado paixão, não é o esporte mais popular do mundo por acaso. É especial, uma junção de pessoas desconhecidas entre si mas que , nesse mundo à parte feito por gente de coração forte, se torna unida umbilicalmente, tão suscetíveis a sentimentos fortes que quando são tocados em seu íntimo por um gol, explodem, gritam, pulam, saem de si em instantes que o tempo para e só volta a andar quando todo esse êxtase é diluído em doses homeopáticas de realidade extra-campo, de uma vida real que o futebol insiste em não querer fazer parte para poder, assim, fazer o que bem entender com a sua vida.


Aos 45 minutos, o juiz anunciava três minutos de desconto. A torcida colorada ainda acreditava na vitória, lá no fundo, mas já começava a se conformar com o 0 x 0, afinal, é o Boca, mesmo sendo difícil no jogo de volta dá para se tentar a vitória, nem tudo está perdido. E essa conformação fez com que o êxtase causado pelo gol marcado, que viria logo a seguir, no último lance da partida, se tornasse ainda maior, algo completamente indescritível na nossa realidade, talvez sendo possível na outra, a que o futebol é lei e rei e que nós somos súditos fiéis ansiosos por mais pão e circo.

Aos 48 minutos e 22 segundos, uma falta longe da área, bola levantada, o atacante colorado Rafael Sobis desvia de cabeça, engana os zagueiros que estavam acompanhando a bola, Fernandão chega como uma flecha na frente de todos, sozinho, e quase de carrinho, com a perna esquerda, toca para o fundo das redes. Termina o jogo, vitória do Inter.

Ainda há outro jogo, o da volta, na Bombonera. O Inter pode até não se classificar, mas esse jogo, essa vitória, esse êxtase de me fazer ficar horas depois do jogo escutando os comentários nas rádios, olhando os lances na TV, os comentários dos torcedores e no outro dia ler tudo sobre o jogo nos jornais, essa agradável satisfação que essas coisas trazem ninguém vai me tirar. E , por essas e outras, é que eu não entendo como alguém pode não gostar de futebol.

-Leonardo Foletto-

sexta-feira, outubro 21, 2005

Cinema (7)

Machuca



Brigas no colégio, amores de infância, crise familiar, primeiro porre, passeio de bicicleta a dois... O chileno Machuca (2004) é um filme singelo, até o momento em que a diferença social começa a falar mais alto. É como se Andrés Wood, diretor do filme, mostrasse num primeiro momento a riqueza de uma amizade acima de conflitos de classe, para depois nos machucar com a impossibilidade de ela continuar justamente por causa desses conflitos.

Sim, esse filme machuca. Afinal, não há como não se machucar vendo Gonzalo, um menino de classe média do Chile de 1973, romper sua amizade de infância com o pobre Pedro, em função dos conflitos do fim do governo de Salvador Allende. Pedro e Gonzalo se conhecem quando o primeiro começa a freqüentar o colégio do segundo, graças ao padre-diretor da escola, que abre vagas para alunos carentes. Brigam juntos no colégio, dividem a mesma menina, compartilham o primeiro porre... Mas também brigam entre si, em alguns momentos. Como dois meninos fazem!



Esse é o principal mérito de Machuca. Apesar de abordar a questão social, o filme não estereotipa nenhum personagem, o que acontece quando se quer ridicularizar um lado para ressaltar o outro. Não há personagens predominantemente maus ou bons. Machuca é assustadoramente real. Fala da infância, da amizade, do amor, do prazer, da família, de política, e consegue fazer tudo isso como de fato essas coisas acontecem em nossa vida: misturadas, uma coisa só!

É um filme desses que a gente não quer que acabe. E que não se esgota numa primeira olhada. A gente fica pensando nele por horas e horas, dias a fio. E a conclusão é: não há palavras, é isso aí que o filme diz! Quem quiser conferir, verá!


Título Original: Machuca
Tempo de Duração: 120 minutos

Site Oficial: www.machucacine.cl
Direção: Andrés Wood

Premiações: indicado ao Goya de Melhor Filme Estrangeiro em Língua Espanhola, Melhor Filme no Festival de Bogotá e exibido no Festival de Cannes


-Augusto Machado Paim-

quarta-feira, outubro 19, 2005

Teatro(3)

Numa cidade do interior...


A chuva de um sábado à noite não intimidou dezenas de crianças, pais e mães, adolescentes, jovens e casais de namorados. Sob a lona azul e vermelha – em forma de circo – cadeiras de plástico no terreno irregular, de frente para uma cortina dourada que reluzia já sem muita luz. O espetáculo que ali atrás logo mais aconteceria alguns do público já tinham assistido, há cerca de sete anos. O teatro itinerante Serelepe já passara por aquela cidade de vinte mil habitantes, onde ficou por três meses, tempo suficiente para serem criados laços de amizade ou um carinho especial. O jornal local anunciava no dia em que o grupo se instalou com seus cinco trailers no terreno baldio na entrada da cidade: “estréia para a próxima semana”. E desde então, um dos eventos mais programados era a ida ao Serelepe.


Pois naquela segunda noite de espetáculo, com chuva forte e frio, o lonão quase lotou. As pessoas chegavam ofegantes, de cabelos e casacos molhados, e procuravam pelas cadeiras menos gotejadas. Uma voz anuncia nas caixas de som: “nossos espetáculos sempre começam pontualmente às nove horas da noite. Pedimos compreensão hoje, pois vamos atrasar alguns minutos em função da chuva”. Ninguém se importou muito, e mais pessoas iam chegando e se dividindo entre as fileiras mais perto do palco – cujos ingressos custavam cinco reais – e as mais do fundo – à quatro reais.

Nove e quinze uma luz forte incide na cortina dourada. Fica quase difícil continuar olhando para frente. As crianças nas primeiras cadeiras olham atentas ao pano que sobe ligeiro e aos dois personagens que entram em cena. Um deles é o astro da noite: o palhaço Serelepe Carneiro, vestido de bermudão e casaco jeans costurados de retalhos xadrez, o rosto marcado com pan cake branco, lápis preto na boca e nos olhos – delineando formas originais, diferente das dos palhaços “corriqueiros”. A gravata vermelha dele vai até o joelhos e suporta o microfone de lapela, necessário pelo fato de a acústica do local não favorecer a voz dos atores, e a voz do Serelepe estar – ao que pareceu desde a primeira estada por ali – bastante prejudicada. O palhaço tem de forçar bastante os músculos do pescoço para que a voz saia, e mesmo assim rouca e falha. Chego até a ficar angustiada com o esforço dele ao falar e com o dano que deve causar às suas cordas vocais. Os outros personagens precisam ficar embaixo de um dos três microfones pendurados no teto do cenário.


O palhaço consegue arrancar risadas, mas da outra vez parecia que era mais engraçado – talvez a chuva e o frio tenham intimidado alguns risos. Os mais unânimes acontecem quando o Serelepe – conhecido e conhecedor de vários moradores – brinca e faz troça com alguns deles que estão na platéia.


Palmas finalizam uma hora e meia de espetáculo, acompanhado com maçãs do amor, pipoca, refrigerante e outros atrativos. Os meninos que os vendiam são filhos dos casais do grupo, que mais assistem ao espetáculo do que se preocupam em receber o pagamento ou dar o troco. “Serelepe, o cuiudo de Júlio de Castilhos”, acho, deveria ser censurado para menores de doze anos. A peça apela muitas vezes para o humor pornográfico. Nada muito pesado, mas que podia economizar as crianças. Da mesma forma os tapas na cara (de verdade) e empurra-empurra nas simulações de brigas. Talvez o público merecia também diálogos mais interessantes. Porém, não é isso que se busca lá. Justamente esse tipo de diversão é o que atrai no Serelepe. Um humor sem muito compromisso, que diverte no deboche.


Numa cidade do interior – que já teve cinema (!), o qual foi transformado por um tempo em Igreja Universal e há dois anos aguarda verbas para ser reformado em espaço cultural; em que a feira do livro não teve a apreciação esperada; em que momentos teatrais são raros, organizados por duas ou três professoras que por paixão à arte mobilizam alguns alunos em peças para datas comemorativas; e onde o poder aquisitivo da maioria não oportuniza outras ou mais apreciações artísticas – o Teatro Serelepe terá muita platéia até o final da sua temporada por lá.

-Danuza Facco Matiazzi-
Os erros e os acertos da língua

Em seu espaço no jornal Folha de São Paulo, o escritor Ferreira Gullar relembra um tema muito pouco estudado e extremamente importante para profissionais da nossa área da Comunicação: a língua. Este sistema de comunicação e de representação foi abordado em duas crônicas, uma com o título "Alguém fala errado?"(25 de setembro) e a outra "O jogo da semântica" (9 de outubro), ambas desse ano.

Gullar afirma que a língua é um organismo vivo e está em constante mutação. Porém,(como poucos) acredita que há de se preservar as boas regras gramaticais, as regências e as concordâncias. Mesmo que haja um excesso de imposição e de regras, para ele os filólogos, os lingüistas e os gramáticos devem ser respeitados. Autor de obras como: "Poema sujo" e "Manifesto Neo-concreto ", defende o bom uso da nossa língua e de forma alguma se coloca como defensor radical do "purismo lingüístico". Ainda critica ferozmente a atual falta de concordância entre substantivos e adjetivos, como em manchetes de jornais que estampam frases como "as milhões de pessoas" e "um dos que fez". Critica também, expressões como " a nível de", assim como o uso extremado de expressões estrangeiras e o mau emprego dos pronomes "essa" e "esta".

Para Gullar, além de haver uma discriminação financeira, os pobres ainda são excluídos da língua por meio de uma "injustiça social", na qual são acusados de falar mal a sua própria construção, a sua própria fala, fala esta que está sob o poder da elite, detentora da gramática, privilégio dos pequeno-burgueses. Bem, mas como a lingüística moderna não possui nem certo nem errado, portanto, sejam bem-vindos os erros e acertos, de puristas ou modernistas, de poetas ou prosadores, que tornam a nossa língua cada vez mais diversa (e em muitos momentos, mais confusa também).

-Cláudia Kessler-

sábado, outubro 15, 2005

QUAL A IMPORTÂNCIA?


Ontem os programas estrangeiros na televisão a cabo tinham em suas pautas a expectativa da revelação, hoje, do prêmio Nobel de Literatura de 2005.

Hoje pela manhã, no Brasil, os noticiários de rádio divulgaram, mas não destacaram, e o jornalismo online editou, mas na categoria de diversão, o nome do dramaturgo britânico Harold Pinter como o escolhido pela real academia sueca.

O prêmio Nobel de Literatura começa a ficar controvertido.Ano passado a premiação teria provocado o desacordo e demissão de um dos membros da academia. Mas não é por isso que tenhamos que tratar a informação com desprestígio. O prêmio Oscar de cinema é provavelmente muito mais controvertido, no entanto, não só é notícia,mas, também, com grandes manchetes.

Talvez a causa da divulgação acanhada do Nobel de Literatura deste ano, em relação aos de ciências, paz, economia, seja a não cultura da leitura no nosso meio. Não é significativa a parcela da comunidade que é alfabetizada. Entre os alfabetizados é grande a dos que não lêem. Cada vez mais a cultura opta pela imagem. Ignorando que também lê-se imagem.


Ler é um trabalho solitário, mesmo que compensador. As compensações mais rápidas, fáceis, entretanto, são as preferidas.

O escolhido foi um dramaturgo estrangeiro. O nosso teatro existe mas é, na maior parte das vezes, comercial. Os espetáculos são produzidos sob o sucesso ou não dos seus atores na televisão.

Podemos estar diante de outro Nobel de Literatura controvertido tanto quanto o do ano passado. Há um ano a divulgação foi mais destacada. O que fora sublinhado, no entanto, é que a escritora austríaca vencedora tinha fobia social e não compareceria a festa de entrega do prêmio. Se quer ficara feliz em ser homenageada, já
que não lhe deixariam mais trabalhar em paz.

Qual estaria sendo a importância do Nobel para a literatura? Para os
escritores e leitores?

- Paulo Roberto Araújo-

sexta-feira, outubro 14, 2005

Literatura (13)

Campo da Esperança
"Baseado na vida do padre Jan Wisniewsky, prisioneiro do campo de concentração de Dachau, Alemanha, de 1941 a 1945. Residiu em Natal, na Casa dos Padres da Congregação da Sagrada Família, onde faleceu em 1988."

Obra de Cláudio Galvão, Bacharel em História, de 1999, pela Editora da Universidade do Sagrado Coração- EDUSC, o livro começa num relato do padre, depois de muitos anos já terminada a segunda guerra e de este já estar morando há anos no Brasil.
Na cidade natal na Polônia, onde está visitando a família que não via há mais ou menos 20 anos, encontra um cartaz publicitário de um concerto de órgão de um amigo que também fora preso pelos nazistas. Ele e o irmão vão ao concerto no dia seguinte. Na casa do amigo músico, o padre relata o que vivenciou no campo de concentração, desde o momento em que foi preso. E o livro se desenrola neste relato minucioso da rotina diária de um campo de concentração nazista.

São descritos desde a forma como eram os alojamentos, a comida e os uniformes, até a prática da recolhida dos corpos dos falecidos e de como eram despidos e levados aos fornos crematórios.

Na abertura do livro, fotos do campo e do prédio que serviria como mais um forno crematório, o qual o padre Jan ajudou a construir (este foi um dos trabalhos executados). A foto de capa mostra os prisioneiros no dia da libertação em Dachau.



Galvão não é preciso quanto à marcação do tempo. Quando já deveria ser o segundo ano do padre no campo de acordo com os relatos de sucessão das estações, o autor narra a surpresa do prisioneiro por estar completando um ano de confinamento.
Narrado em primeira pessoa, o livro permite que entremos em contato com fatos históricos, como o incêndio do prédio do parlamento em Berlim no ano de 1933 e a ascensão de Hitler desde que foi nomeado chefe de um gabinete do governo do presidente Hindenburg. Mas também plantou algumas dúvidas (pelo menos em mim): Quanto a guerra se prolongou depois da invasão japonesa à base americana de Pear Harbour? De acordo com o livro foram anos. A Igreja Católica não estava calada diante do nazismo, numa atitude que se pode pensar até de consentimento? Então, como padres católicos eram presos?

- Sabrina Siqueira-

quinta-feira, outubro 13, 2005

Literatura (12)

Gabriela Mistral (1889-1957)

Lucila Godoy Alcayaga, este era o nome de Gabriela Mistral. Nasceu em 7 de abril em Vicuña, no Chile. Termina seus estudos básicos e começa sua carreira de professora. Durante 7 anos, ela viaja por diversas cidades e e povoados do Norte chileno, quando realiza a prova para ser normalista. Em 1914, recebe o prêmio Jogos Florais pelo Sonetos de la Muerte.

Ensina em diversos 'liceus' do país, é nomeada professora secundária. Viaja ao México convidada por José Vasconcellos, ministro da Educação. É nomeada cônsul e viaja por diversos países. Ela esceve e publica até o ano de 1945. Neste ano de 1945, ela recebe o Prêmio Nobel de Literatura. Seis anos após, ela recebe o Prêmio Nacional de Literatura do Chile.

O que torna encantador em Gabriela Mistral é sua habilidade em ser a herdeira do Simbolismo francês, e recriar com a inspiração feminina a complexidade da vida. E ser uma mulher homenageada num país machista e conservador como é o Chile. Um pequeno segredo que poucos conhecem: Pablo Neruda quando escreveu seus primeiros versos aos 14 anos foi apoiado por nada menos quem: Gabriela Mistral. O verdadeiro nome de Pablo Neruda é Neftalí Ricardo Reyes.

Obs.: Não a aceitam na Escola Normalista pelas suas idéias 'extravagantes' que seria um mau exemplo para as crianças.

-Carlos Orellana-

quarta-feira, outubro 12, 2005

Cinema (6)

“Modigliani – paixão pela vida”



Esse é o nome do filme que estreou ano passado, mas que só assisti esta semana. A narrativa conta a vida de Amedeu Modigliani, um "artista maldito" da Escola de Paris. Modi, como gostava de ser chamado, levava uma vida desregrada e auto-destrutiva. Era reconhecido como um homem bonito e carismático que freqüentava cafés recitando versos de Dante Alighieri. Em troca de vinho, fazia rápidos desenhos do ambiente e pessoas que se encontravam no bar.




Nascido em 1884, na cidade italiana de Livorno, o descente de judeus teve uma diversificada e sólida formação artística. Depois de estudar a arte renascentista e Clássica nas cidades de Veneza e Florença, mudou-se para Paris em 1906. Inicialmente, trabalhou com pequenas esculturas, mas resolveu se dedicar à pintura em 1915. A partir daí, começa a produzir seus melhores trabalhos até a morte precoce, em 1920, aos 36 anos. A tuberculose herdada da infância, somada a pobreza em que vivia e aos vícios, em álcool e haxixe, deram fim a um dos mais célebres artistas do século passado.



Durante todo o filme, o protagonista trava uma batalha vaidosa com Pablo Picasso, disputando reconhecimento público. Em um final dramático, Jeanne, amada e amante de Modigliani, se desespera com a perda do seu grande amor. Grávida, ela decide radicalmente o destino da pseudo-família do louco confesso e genial Amedeu.

-Gustavo Hermes Hennemann-

segunda-feira, outubro 10, 2005

Literatura (11)

Artigo

ESPERAMOS O NOBEL

Amanhã, terça-feira, a Real Academia Sueca confirma se anunciará na quinta o nome do Nobel de Literatura de 2005.

Já é hora de um brasileiro ganhar. Mas, parece que não é fácil. Só existe um escritor de língua portuguesa merecedor, por enquanto: José Saramago? Em inglês, espanhol já houve vários, para não dizer muitos.

Na América espanhola, o Chile tem dois de Literatura. Os dois para poetas: Gabriela Mistral e Pablo Neruda. Na Guatemala há o prêmio para Miguel Angel Asturias. Na Colombia: Gabriel Garcia Marquez. Houve tempo em que o peruano Mário Vargas Llosa sempre era cogitado. Jorge Luis Borges e Júlio Cortázar na Argentina não ganharam. Ernesto Sábato ainda não. Augusto Roa Bastos no Paraguai e Manuel Scorza, também no Peru, morreram e nada.O poeta e ensaista mexicano Octávio Paz ganhou um Nobel.


No Brasil há escritores merecedores de um prêmio desses. Além da quantia em dinheiro, principalmente projeta um nome, um país, uma literatura. A editora de Jorge Amado batalhou mas não conseguiu. Talvez fosse o escritor brasileiro mais conhecido no exterior, mas há outros grandes. Talvez maiores. Por que um deles não receberia o Nobel de literatura em 2005?

Se eu fosse da academia sueca, escolheria Nélida Piñon. Aproveitaria que estará em Espanha, para receber o Astúrias, e já iria até Oslo. Os prêmios são entregues em 10 de dezembro, aniversário da morte de Alfred Nobel.

Mas, se um brasileiro não ganhar... há um merecedor, que sempre tem aparecido na lista dos favoritos, Ismail Kadaré. Foi nele que Walter Salles Júnior inspirou-se para fazer Abril Despedaçado. O albanês, que por muito tempo esteve exilado em Paris, tem outros livros editados no Brasil. A Ponte dos Três Arcos, Os Tambores da Chuva, Dossiê H, O Palácio dos Sonhos, Concerto no Fim do Inverno. Há poucas semanas foi lançado aqui: O General do Exército Morto, obra que lhe deu notoriedade internacional. Um general italiano, acompanhado do capelão militar, é designado, 20 anos depois, para buscar os restos mortais dos soldados do seu país vencido numa das batalhas da Segunda Guerra Mundial na Albânia. Acompanhar o militar e o padre (que encontram um outro general, mas alemão, e um prefeito albanês) nessa busca por covas muito fundas em cemitérios, que não existem mais ou onde nunca fora campo santo, é conhecer uma narrativa brilhante que sempre está na obra de Kadaré.

Às vezes o Nobel de literatura vai para as mãos de alguém que ainda não fora traduzido para o português. Tão logo ganha, as editoras se apressam. Ao lê-los, no entanto, ficamos perguntando o por que da honraria. Mesmo que sempre sejam apresentadas justificativas oficiais.

Em 2003, foi diferente com o sul-africano J. M. Coetzee. Aqui havia várias obras traduzidas. Mesmo premiado seus livros demoraram nas prateleiras. Há belas leituras. Entre elas: Vida e Época de Michael K, Desonra, Juventude. Em 1991, a literatura da África do Sul ficara mais evidente para o mundo com o Nobel de Nadine Gordimer.

O ano passado foi a escritora austríaca, Elfriede Jelinek. Com fobia social não foi receber o prêmio. Há um filme, A Professora de Piano, adaptado de um dos seus romances, por Michael Haneke. No outubro de 2004 os jornais brasileiros publicaram textos dela nos cadernos culturais. Nada demais.

Que anunciem o Nobel de Literatura de 2005. Se não for alguém das letras brasileiras, que seja Ismail Kadaré. Há, entretanto, especulações de que a academia poderia outorgar o prêmio a um crítico literário ou jornalista. De qualquer forma o vencedor tem que estar pelo menos dois anos seguidos na lista cada vez mais sigilosa dos acadêmicos. Eles garantem que critérios como sexo ou geografia não influenciam a votação final.

- Paulo Roberto Araújo-

domingo, outubro 09, 2005

Música (2)


Enterrem o rock brasileiro (*)

Sim é isso mesmo que você acabou de ler aí em cima: o rock brasileiro está morto! E cheguei a essa conclusão enquanto assistia a edição 2005 do pretensioso Vídeo Music Brasil da MTV.

Não há motivos para se tentar uma ressurreição do rock brasileiro. Os bons e velhos rockeiros já estão gordos, carecas e cansados de tentar vender como nos anos 80. É inegável meu caro, a juventude de hoje não vai ás ruas pelas diretas, não luta contra o regime militar e não vive num tempo de explosão de descobertas científicas e tecnológicas. O pessoal de hoje quer mais é preencher as fotos do álbum do orkut, decorar a última letra e coreografia da Beyonce e ter um namorado igual ao Usher.

Mas não é só o público que não está ajudando no processo, os músicos também. Falta criatividade como a da época e também talvez algumas doses de pó e lsd, porque o pessoal agora está velho e limpo. Ao assistir a apresentação de Dado Villa Lobos, Dinho Ouro Preto e Paralamas do Sucesso, me decepcionei. A única coisa que vinha na minha cabeça era: morreu. Ainda mais quando a tal Leela (se é mesmo assim que se escreve) ganhou o prêmio revelação nacional. Aí como diriam uns conhecidos meus: me caiu os butiá do bolso.

Mas que falta fazem Renato Russo, Cássia Eller e Cazuza! Mandem uma luz pra gente aí do céu por favor! Talvez essa luz imediata esteja centrada na banda F.U.R.T.O., que para mim é o melhor do cenário rockeiro brasileiro atual. Mas ainda assim já não obedece ao velho esquema guitarra-vocal, batera e baixista. Estamos nos tempos da bateria eletrônica e dos sintetizadores, além é claro do computador.

Pessoal, o Legião acabou, não adianta tentar ressuscitar um Dado Villa Lobos requentado. O Capital Inicial também faleceu há tempos. Até deu uma levantada do túmulo com o acústico, mas agora o som deles gira mais pro pop-adolescente-comprem-meu-cd do que para qualquer outra coisa. Isso sem falar nos Titãs, que vão morrendo aos poucos enquanto cada integrante vai deixando a banda. Tem ainda o Ultraje a rigor que tentou reativar os lucros com a velha fórmula “acústico MTV”, mas nada saiu do trivial.

Paciência. Legião, Plebe Rude, Aborto Elétrico, Ultraje, Paralamas... estão todos mortos. Saudades é o que podemos sentir, porque afinal o quadro não é apenas nacional, é mundial.
Que falta fazem os bons e velhos Beatles, Led Zeppelin, The Doors, Janis Joplin, Joe Cocker, The Who e outros amigos cativos do meu discman.

- Stefanie Carlan da Silveira -

(*): O post de hoje não obedece a escala. Como alguns da escala não estão mandando textos, tomei a liberdade de colocar um outro texto do pessoal para o blog não ficar sem atualização por mais de 2 dias.

sábado, outubro 08, 2005

Crônica (2).


CONTINENTES, ARQUIPÉLAGOS E RETRATOS


Os verões já eram tórridos em Santa Maria, naquela época. As férias escolares começaram antes de novembro terminar. Sabia que não haveria ônibus, avião, carona, muito menos trem.

Consegui emprestado os volumes de O Tempo e O Vento. Fiz da poltrona de braços largos um navio, sempre pronto para partir do porto seguro da sala de visitas.

Naqueles dias quentes, com a cabeça apoiada num dos braços da poltrona e as pernas sobre o outro: viajava. Continentes, arquipélagos e retratos.

Quando cansava olhava o outro mundo pela escotilha imaginada nas duas janelas, que ladeavam a porta da rua. Lá já começavam a caminhar apressados fugindo do sol. Atrasados em seus carros para atenderem suas burocracias. Fazerem suas compras impulsivas.

A viagem tinha que terminar antes das aulas começarem, na primeira segunda-feira de março. No leme o velho Veríssimo. Aquele do qual só conhecia o perfil que Jorge de Andrade fizera para a revista Realidade.

No alto mar, às vezes me aproximando da costa, fui surpreendido por um amigo que surgia suado, ofegante, a cara em brasa. O vi pelas escotilhas chegando como um pirata a assaltar minha viagem.

Enquanto eu fazia duma poltrona um navio sem limites, o amigo fazia da outra ao lado o seu porto seguro. Sob o braço molhado trazia Hermann Hesse. Nossos mapas de viagem se cruzaram.

Não lembro mais se ele já tinha lido Érico Veríssimo. Sem demora trocamos bússolas. Hermann Hesse assumia o comando com Peter Camenzind ao meu leme.

O coração acelerado do amigo em busca da outra poltrona foi porque, passando pela Primeira Quadra, entrou na Livraria do Globo. Naquele tempo a livraria era enorme, pé-direito alto. Havia mezanino de onde os funcionários enviavam aos clientes mercadorias numa pequena caixa de madeira amarrada a um cordão. Além das estantes atrás dos balcões, os livros ficavam disponíveis pela circulação da loja. As livrarias ainda trabalhavam com estoques. Seu Milton gerenciava. Belvenir atendia. Admirava a solenidade de seu Bráulio desenhando a letra no bloco, para fazer a nota da compra.

Não sei quanto durou a visita do meu amigo à livraria. Não sei o que olhou e leu, mas não comprou nada. Chegou lá em casa na corrida para escapar do sol, mais da vergonha. O via como gigante, assim como os das histórias que lera muito antes, atravessando a Saldanha Marinho com um pé na esquina do Café Turfista e o outro na esquina do Centro Cultural. Na estante ao lado da vitrina vi o Hesse; peguei e saí. Correndo? Comecei a correr depois; até pensei no Demian que também estava ali, mas era difícil. Para carregar os dois...?

Peter Camenzind não era meu, mas não deixaria de lê-lo também naquele verão. Eu fico com o livro até terminar a leitura, se não atravesso a praça e nunca mais poderás passar pela Primeira Quadra. Mas tens que parar no tempo, ler o Hesse e depois continuar no vento.

Aceitei. Ancorei a poltrona na sala. Li a minha primeira prosa poética de Hermann Hesse, embaixo do caramanchão de maracujá. Deitado na rede, sentindo o cheiro do musgo que desde sempre cobriu aquele muro rente. Viajava: tantos continentes, arquipélagos e retratos.


Dias depois meu amigo voltou para buscar o seu Peter Camenzind. Voltei ao vento, sem perder tempo. Outra vez na poltrona. O tempo e o vento não cabiam na rede.

Logo depois a prima, que era professora, autorizou minhas compras na conta corrente que tinha na Globo. Estabelecemos um trato, que possivelmente eu nem sempre tenha cumprido: para comprar novo livro, só depois do outro pago a perder de vista.

- Paulo Roberto Araújo-

quinta-feira, outubro 06, 2005

Literatura (10)

O Apanhador no Campo de Centeio


Lançado em 1951, O Apanhador no Campo de Centeio é um dos clássicos atemporais da literatura. Não importa a época que se leia, ele jamais deixará de ser atual. Para quem é acostumado com leituras tradicionais, o livro até decepciona: “Afinal, não vai acontecer NADA nessa história?”, as pessoas se perguntam.
A história realmente é simples. Fala sobre um fim de semana na vida de Holden Caulfield, garoto de 17 anos de família abastada, depois que ele sai do colégio interno em que estudava, retratando suas perambulações solitárias por Nova York.




Simples - e chato até - se fosse somente isso. O que vale mesmo é as reflexões de Holden, seus comentários a respeito das pessoas, da vida, de tudo, sempre com muita ironia e humor negro. É difícil não se identificar com o personagem em algum momento da nossa vida. Parece que ele é um tipo de “inconsciente” nosso, falando as coisas que gostaríamos de falar mas não falamos por medo da reação das outras pessoas.



Uma adaptação do livro para os quadrinhos



Escrito em uma linguagem próxima a coloquial, cheia de gírias - algo ousado para a época - a obra é uma das mais influentes da literatura mundial, citada em inúmeros filmes e outros livros. Lançado em um tempo que o jovem não tinha nem um pingo da liberdade que têm hoje, ‘O Apanhador’ é um relato do que se passa na cabeça do adolescente, seus anseios e temores sobre o mundo que insiste em pedir respostas para tudo, mas que não é capaz de oferecê-las. Pelo menos não na mesma intensidade com que pede.


-Leonardo Foletto-

domingo, outubro 02, 2005

Quadrinhos (1)

Palestina - Na Faixa de Gaza




O relacionamento entra histórias em quadrinhos e jornalismo é antigo. No século XVIII, jornais já publicavam charges e cartuns em suas páginas. The Yellow Kid, considerado por alguns estudiosos como a primeira história em quadrinhos, deu origem à expressão "imprensa amarela", como é chamada a imprensa sensacionalista nos Estados Unidos (no Brasil se fala em "jornalismo marrom"). Além disso, alguns dos personagens mais famosos do mundo dos quadrinhos são jornalistas, como Super-homem, Homem-aranha e Tintin.


Mas é em Palestina - Na Faixa de Gaza, livro-reportagem em quadrinhos do jornalista-quadrinista Joe Sacco, que esse relacionamento se estreita. Em 1992, Sacco passou uma semana no território disputado entre israelenses e palestinos. Entrevistou pessoas, tirou fotos e presenciou situações complicadas. O resultado foi esse livro de quatro capítulos onde Joe Sacco é autor e personagem da história que conta.


"Joe é uma presença atenta, às vezes cética, às vezes saturada, mas na maior parte do tempo compreensiva e engraçada, como quando ele nota que uma xícara de chá palestina quase sempre é atolada de açúcar, ou que os homens, talvez involuntariamente, se reúnem para trocar histórias de pesar e sofrimento assim como pescadores comparam o tamanho dos peixes, e caçadores, o porte de suas caças". Palavras de Edward W. Said, no prefácio do livro.





De fato, Palestina - Na Faixa de Gaza é repleto de desenhos que procuram ambientar o leitor no cenário, de modo que o relato do sofrimento palestino é mesclado com a representação da cultura, seja em detalhes do vestuário, da arquitetura, das pessoas, seja das condições de vida, como diz Antônio Aristides Corrêa Dutra, mestrando em comunicação pela ECO/UFRJ: "Sacco tem a capacidade de trazer à tona aqueles detalhes sutis, porém reveladores, que passam desapercebidos da maioria dos repórteres (ou simplesmente desaparecem numa reportagem tradicional)".

Palestina - Na Faixa de Gaza é um livro na linha das histórias em quadrinhos para adultos. Também é considerado uma obra do Novo Jornalismo, escola surgida nos Estados Unidos da década de 60, que revolucionou a narração jornalística. Mas, antes de tudo, é um bom livro para ser lido.



Sobre Sacco e o jornalismo em quadrinhos
Joe Sacco nasceu em 1962 em Malta, um pequeno país-arquipélago no centro do Mediterrâneo com cerca de 390.000 habitantes. Passou a infância na Austrália e a juventude nos Estados Unidos, onde mora até hoje, em Nova Iorque. Graduou-se em jornalismo pela Universidade do Oregon, em 1981. É considerado um dos precursores do que é chamado de Jornalismo em Quadrinhos, ao lado de Art Spielgeman, Robert Crumb e Joe Kubert, dentre outros.

Palestina - Na Faixa de Gaza foi publicado em 2003 pela Conrad (www.conradeditora.com.br), editora especializada em quadrinhos. O livro ganhou prêmios como o American Book Award e o título de Melhor Nova Série, pelo Harvey Awards. Sacco também é autor de Gorazde - A Guerra na Bósnia Ocidental e Uma História de Saravejo.


- Augusto Machado Paim -